segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Bem vindo ao tempo de questionar. Tudo.


O início do século XXI aconteceu quando mesmo? À parte as questões cronológicas, creio que o século começou mesmo no  11 de setembro de 2001. Ali é que tudo mudou, ou começou a mudar. Ali nasceu um novo tempo, com novas atitudes. Não somente boas coisas nascem de algo tão terrível, é claro. Mas ali começou o questionamento sistemático que tem marcado o início dos anos seguintes. E nosso século tem sido marcado por esse questionamento. Já não é óbvio quem será a grande potência nos próximos anos. Já não é claro qual o estilo de vida e de sociedade que serve de modelo. O futuro encontra-se mais aberto do que nunca, cheios de dúvidas que estamos. E esta dúvida sim, é bem-vinda. Porque se antes tínhamos respostas, é certo que não eram respostas tão boas. Só não nos permitíamos fazer as perguntas com tanta desenvoltura. Agora, não mais.
Coisas que antes não fariam sentido, são fatos. O presidente dos Estados Unidos é um negro. A igreja católica enfrenta dificuldades de credibilidade cada dia maiores. A economia mundial inclina-se para os emergentes. O Brasil é o país do agora, não mais o do futuro.
Não temos mais certezas, não damos nada mais como favas contadas. Tudo precisa ser revisto, analisado, pensado. Nada escapa – nem o significado da família, do casamento, o papel dos pais na educação dos filhos. Qual a carreira que lhe dará um futuro? Quais são suas prioridades de vida? A tudo, cabe pensar e questionar. E isso é bom. Quem sabe nos levará a respostas novas. Porque as velhas, a gente sabe bem onde nos levaram por esses anos todos.
Talvez estejamos começando a ficar um pouquinho mais espertos. Como Sócrates disse, há muitos séculos, provando sua própria capacidade de questionar e reinventar: Só sei que nada sei.
Essa é a atitude que nos leva a buscar novos caminhos e novas soluções. Desacreditando das velhas formulas e das respostas prontas, podemos ao menos ter a esperança de encontrar caminhos mais humanos, verdadeiros, autênticos na busca por uma vida mais plena e mais feliz.
Então, seja bem vindo ao tempo de questionar. Escolha algo na sua vida, no seu mundo, e se pergunte: é isso mesmo? Está certo? É o que deve ser? Questione-se sobre qualquer coisa na sua vida. E quando você menos esperar, pode até se surpreender com a resposta.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O Diabo é o Medo.


"Somos uma corda estendida por sobre um abismo; o abismo que separa o animal que fomos do supra-homem que podemos ser."
Nietzsche



Um dia meu genial amigo Fernando Taulois me escreveu um de seus emails incríveis e entre outras coisas, compartilhou comigo uma idéia sob a forma de uma pergunta:

- O diabo é o medo?

Sim, o diabo é o medo.  Uma das duas forças fundamentais que nos movem na vida. O medo é grande, pode ser imenso, poderoso. Motiva ações no mundo todo, todos os dias, e faz com que pessoas acordem e façam tudo aquilo que não gostariam, o dia todo. Faz com que sejamos "Os únicos animais que fazem o que NÃO querem".  Porque a alternativa; inspira o medo.

Mas o medo não é a única força que nos move. Somos movidos - como tudo neste mundo - por duas forças, dois pólos, yin e yang.

A força oposta ao medo é o amor. Amor que os homens já não sabem muito bem o que significa; exceto quando olham para seus filhos.
Porque amor é uma força difícil de ser entendida por seres tão pequenos como nós: o amor, para ter força, exige uma coisa que nos é muito difícil: o amor verdadeiro é incondicional.
Todo amor verdadeiro é incondicional. E tudo que é incondicional tem a força da certeza, daquilo que É, simplesmente. É simples amar o belo, o fácil, o confortável. O que nos ajuda, o que nos impulsiona.
É difícil amar o que nos desafia, o que nos desestabiliza, o que nos exige. E veja que amamos tudo isso em nossos filhos - exatamente porque amor é incondicional.
Ou não é amor.
Somos seres muito pequenos, frágeis e limitados, não conseguimos erguer os olhos de nossos umbigos em 99% do tempo. Por isso, pode-se dar ao amor o nome que quiser, mas ele não será algo fácil de ser alcançado, porque exige verdadeira entrega.

Mas uma vez que haja essa entrega, curiosamente, não há nada mais fácil.

Já o medo - o medo é natural a todos os animais, é tão básico que acontece antes do raciocínio - é tão rasteiro que qualquer réptil é capaz de senti-lo. É a parte mais primitiva de nós, a parte que conhecemos mais intimamente, há milhares de anos. A parte quase irresistível da nossa natureza bestial.

Quase. Porque somos, todos, capazes de vencer nossos medos, quando surgem motivos certos. Oposto ao medo, o amor é a mais sofisticada, evoluída e sutil manifestação da nossa capacidade como "seres que podem ser mais que simples animais".

Mas faz relativamente pouco tempo que somos mais que animais.
Isso ainda nos é distante, estranho, pouco natural.
Precisamos ainda de esforço e concentração. Um dia será natural, ainda mais natural que o próprio medo. Não é para a nossa geração, claro.
Mas contemplar essa idéia, e defendê-la, é o melhor que podemos fazer como "nossa parte" para ajudar a pavimentar esse caminho.



© 2010 Paulo R. Ferreira. Todos os direitos reservados.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A medida exata.


Há de existir uma medida exata, que nem eu nem você conhecemos, para se manter um indivíduo exatamente na linha fina; verdadeiramente cortante, que separa a necessidade de desonestidade. Essa medida, só a conhecem as linhagens a quem foi dado decidir quem vive e quem morre, desde centenas de anos. E mesmo esses não são capazes de expressá-la, posto que é tão tênue, linha tão risível, quase quântica: a trazem marcada como receita, entranhada fundo na mitocôndria, no próprio DNA. Tão entranhada que não a tem como coisa consciente, posto que, por sua vez, viver conscientemente com tal absoluta crueldade seria intolerável (pelo menos assim creio eu, da minha inocência de gente comum) a qualquer pessoa. Acordar pela manhã, olhar-se no espelho, e saber-se responsável, de caso pensado, por manter outros seres humanos numa miséria, numa desumanidade tamanha; seria ter de reconhecer-se um monstro, sentir-se verdadeiramente demoníaco. Imagine a medida exata que mantém uma mãe no ponto extremo de levar a sério um país no qual seus filhos vendem balas no sinal aos cinco anos de idade – e ainda assim, não os quer transformados em delinqüentes; celerados; animais intrinsecamente destruidores da própria sociedade que os coloca nessa condição.
Imagine a força necessária para se manter honesto e minimamente decente, vendo seus próprios filhos, sua própria carne e seu próprio sangue explorados de modo tão baixo e vil. Imagine, somente por um instante, o seu próprio filho ou filha, aos cinco anos de idade, vivendo na rua, dormindo entre trapos sujos e transitando entre a fumaça dos carros numa avenida Tiradentes, em são Paulo, ou numa avenida Brasil, no Rio – batendo nos vidros dos carros dos cidadãos de bem, segurando nas mãozinhas miúdas uma caixa de chicletes, a qual pedem humildemente que comprem, por favor, “pra me ajudar, tio”. Sem comida, sem escola, sem saúde. Mais ainda, sem a mínima esperança de um dia serem tratados como gente.
Sinceramente, se você foi capaz de imaginar essa cena e não está trincando os dentes com uma raiva funda, não devemos pertencer, eu e você, à mesma espécie. Como é que essas pessoas conseguem se segurar o suficiente pra não dizer aos seus filhos: ao diabo com a seriedade, se essa nação nos trata como animais, sejamos animais então; arrancando a dentadas qualquer pedaço que se possa botar os dentes e fugindo para a caverna escura do anonimato completo de não ser ninguém. De onde tiram a força para não sair arrebentando as vitrines, destruindo tudo, virando de cabeça para baixo essa lógica insana que as mantém ali? Tiram essa força do medo? Medo de que? Qual é o ponto mais baixo em que podem ser colocadas? Se até os prisioneiros são mais bem alimentados? Se os próprios assassinos nas cadeias recebem alguma coisa, enquanto a eles não é dado absolutamente nada.
Não, não vem do medo essa força. Vem de um lugar muito mais estranho e abstrato, deve vir de uma esperança unicamente sagrada. Que certamente não deve ser religiosa. Deve ser outra medida, extremamente delicada, que impede que se perca a vontade de ser gente, mesmo quando os nossos são tratados como animais.
Ou menos ainda, porque os cuidados oferecidos aos cães das pessoas que tem um lugar decente na nossa sociedade são infinitamente mais humanos que aqueles que recebem as crianças realmente pobres.
Nós, brasileiros, achamos estranho que outros povos considerem vacas e macacos como animais sagrados. Mas sinto que consideramos nossos cães e gatos de estimação exatamente como seres sagrados a quem devemos todos os cuidados. A mim parece estranho que os povos – nós, brasileiros, inclusive – tenhamos tanta dificuldade em considerar sagrados os próprios seres humanos.

(C) 2010 Paulo R. Ferreira. Todos os direitos reservados.