Por Paulo Ferreira
Na nova corrida eleitoral que se iniciou
após a morte de Eduardo Campos; um tema recorrente tem sido o Estado Laico. Com
Marina Silva declaradamente evangélica, o assunto ganhou contornos de uma
relevância que não se suspeitaria antes. Isso deveria nos levar a outras
perguntas, sobre as posições dos outros candidatos; no mínimo por uma questão
de legitimar o debate.
Embora Dilma e Aécio não façam bandeira de
suas convicções religiosas, convém analisar ao menos as posições recentes dos
três candidatos com chances no pleito.
Sobre Marina Silva, é clara e pública sua
posição como evangélica. É interessante notar que Marina foi católica, antes de
tornar-se evangélica. Foi PT, e foi PV, antes de tentar fundar a Rede
Sustentabilidade, partido que teve sua criação impedida numa pantomima ridícula
orquestrada por alguns que talvez temessem os famosos 20 milhões de votos de
Marina na última eleição. Finalmente, ela filiou-se ao PSB para concorrer como
vice. Mas a vida, o destino ou o "acaso"; como prefiram chamar,
encarregou-se de reconduzi-la à disputa presidencial. Vale lembrar que Eduardo
Campos era católico praticante, e aparentemente, fervoroso. O que não impediu
que a aliança acontecesse. Aliás, as diferenças entre as idéias de Campos e
Marina; muitas vezes apontadas como "problemáticas", pareciam indicar
uma capacidade de composição e flexibilidade interessante da parte de alguém
freqüentemente taxada de "inflexível". Talvez aquilo que a cultura
"do jeitinho" e a política brasileira chame de inflexibilidade seja,
afinal, mais uma questão de clareza e solidez. Mas isso, só vamos efetivamente
descobrir quando Marina exercer um alto cargo executivo. O que resta lembrar é
que as suas convicções sempre estiveram expostas e publicamente abertas às
observações e críticas de todos.
O caso de Dilma é bastante oposto. Seguindo
a cartilha básica da esquerda revolucionária dos anos sessenta, seria adepta do
pensamento ateu. Se é difícil tratar de questões de foro íntimo não assumidas
com clareza; é bastante fácil comentar as suas ações externas. Dilma resolveu
comparecer à inauguração do templo da igreja universal. Interessante perguntar
se compareceria também à inauguração de um grande templo budista, ou a um
grande centro espírita. Será? Dilma compareceu por convicção pessoal? Isso
seria completamente fora de seus padrões históricos de esquerda. Ou teria
comparecido apenas porque o evento aconteceu no calor da corrida eleitoral?
Nesse caso, talvez pudéssemos entender que a candidata sente-se perfeitamente à
vontade para usar a religião como alavanca eleitoral. Bastante à vontade para
subordinar qualquer convicção ao interesse dos fins. Neste caso, não se poderia
dizer que não há coerência com seu modo de ação costumeiro. Mas assumir
proximidade (seja eleitoreira, ou não, julgue o leitor o que poderia ser-lhe
mais incômodo) com a mais controversa entre as grandes igrejas evangélicas
talvez não ajude a convencer milhões de brasileiros de que ela tenha convicções
suficientes para manter o Estado isento de influências de interesse religioso.
Há uma frase dela a respeito de crenças, dita à Folha na ocasião da última
campanha eleitoral. É bastante emblemática do estilo de discurso que a
caracteriza: "Fiquei durante muito tempo meio descrente. Acredito que as
diferentes religiosidades são fundamentais para as pessoas viverem. A gente não
pode achar que existe 'aquele seu Deus". Eu me equilibro nessa questão.
Será que há? Será que não há? Eu me equilibro nela."
E Aécio? Declara-se católico; talvez mais
por tradição familiar, e parece não ter grande intimidade com o assunto. Já foi
fotografado discursando em eventos da Maçonaria e não esteve na inauguração do
templo da igreja universal. Consta que Aécio e Campos não foram convidados. O governador
Alkmin, nome aliado a Aécio em SP, entretanto, esteve (ao lado do prefeito
Petista da cidade). Pelo menos superficialmente, religião parece não ter grande
papel no discurso de Aécio; o que talvez fizesse dele uma opção interessante
para aqueles que preferem evitar qualquer proximidade entre as igrejas e
Estado. Mas, não esqueçamos, estamos no Brasil. Nunca vou esquecer da pergunta
que destruiu a eleição, dada como certa, de Fernando Henrique Cardoso à
prefeitura de S. Paulo. A pergunta foi: "O senhor acredita em Deus?".
Famoso por suas convicções contrárias à idéia, FHC entrou na saia justa e
perdeu a eleição municipal naquela resposta.
Claro, isso foi na década de 80, e hoje o
país é outro. Os tempos são outros; a religiosidade é outra e a importância que
o fator ganhou nessas eleições talvez fosse impossível de se imaginar há alguns
meses.
Enfim, parece que nas próximas eleições
vamos descobrir o que prefere o eleitor brasileiro; entre uma candidata
abertamente evangélica; uma candidata provavelmente atéia que vai à igreja
universal e um candidato que talvez prefira ficar em cima do muro e evitar o
assunto.