Pois bem, hoje os adjetivos estão cada vez mais desempenhando papel de eufemismos. É mais ou menos assim: o eufemismo é dizer uma coisa para suavizar o conteúdo, para tornar menos contundente uma revelação, por exemplo. É o famoso “seu gato subiu no telhado” ao invés de simples e diretamente dizer que o gato morreu. Fica menos claro, menos informativo, mas compromete menos quem emite a opinião. E é justamente por isso que o adjetivo está perdendo seu uso clássico: porque as pessoas tem medo de emitir opiniões e dizer o que pensam de modo claro. Compromete demais. Imagina alguém te perguntar algo sobre Tropa de Elite e você responder que adorou, gostou muito que é um grande, excelente filme. Pronto: você está comprometido com o que disse, pra você é um excelente filme.
Hoje em dia ninguém quer mais isso: é interessante, é bacana, é válido (e aqui, com licença, mas dizer que algo é válido é o cúmulo do “em cima do muro”) qualquer adjetivo que permita, depois da contra-opinião, rever a conversa com a possibilidade de mudar completamente o rumo do que foi dito:
- você viu o filme?
- Vi sim, é muito interessante...
- ah, mas tem falhas terríveis de roteiro.
- é, é interessante, mas o roteiro deixa a desejar...
Pronto: já ficou agradável, já saiu concordando, cordeirinho balançando a cabeça; sem discussão. Se quem perguntou foi o chefe, então, melhor ainda...
E vivemos nesse tempo que é resultado dessa atitude flácida, que não toma posição, que não defende idéias, que não confronta pontos de vista. Um tempo rico em politicagem, em falação vazia, e fraco de idéias. Criam-se produtos maravilhosos, tecnologias esplêndidas, mas idéias? Quando foi a última discussão acalorada da qual você participou? Quando foi que ficou na ponta de cadeira, discutindo e debatendo algo, eventualmente discordando do seu interlocutor – e exatamente por isso – ambos cresceram com o debate? Se você, como eu, é feliz o suficiente pra conviver com gente de nível pra fazer isso regularmente, que bom. Mas saiba – você é minoria.
O ponto mesmo é que ninguém precisa da briga – mas todos nós precisamos do confronto de idéias – para que elas cresçam e se desenvolvam. E isso exige tomada de posição. Sou a favor – sou contra – gosto, detesto. Posições claras, longe do conforto burro do “não sei, mas parece que falta algo". Isso é de uma covardia absurda: veta, interrompe, mas não traz nada para o debate. Barra o andamento, sem oferecer nenhum argumento lógico ou válido para que o outro possa responder. A mais perfeita arma dos incompetentes, dos indigentes culturais: “falta alguma coisa, mas eu não sei o que é.”.
Isso é uma afirmação tão absoluta de falta de consistência que em outros tempos, ninguém se permitiria dizer, por um mínimo de vergonha na cara. Se você vai se opor a algo, seja o que for, por favor, primeiro tenha argumentos, para depois abrir a boca.
Mas enfim, esses são nossos tempos cinzentos, onde nada deve ser claro, onde preto e branco não combinam com a flacidez, a politicagem e a falta de espinha dorsal das pessoas “certinhas”, saudáveis e prósperas, centradas no consumo descartável e no “tudo bem contanto que não me incomode pessoalmente”.
Então, pra terminar e deixar bem claro, bem estabelecido: sou contra essa moleza de intelecto, sou contra essa mania de achar que o agradável vale mais do que a verdade.
Pronto, falei. Agora, azar o meu.