quinta-feira, 19 de março de 2009

O sentido (mas também a atitude) parte do receptor.

O sentido parte do receptor. Ouvimos essa frase muitas vezes nos estudos básicos de comunicação. Se o emissor quis dizer X, mas o receptor entendeu Y – o emissor não obteve sucesso em se comunicar com o receptor. Conceito absolutamente válido.
Mas o que dizer dele agora, a esta altura dos acontecimentos, quando os receptores, a audiência, o público, tem um acesso tão amplo a montanhas de informação? Claro, a capacidade interpretativa cresce, sempre e inexoravelmente. (embora coletivamente num passo muito lento, como bem nos lembram os milhões de analfabetos ainda existentes no Brasil.)

Mas quero me ater aqui à parte dos receptores que tem condição e preparo para decodificar, que possui o ferramental básico adequado. Quando nos dirigimos a este público, seja por um e-mail, um telefonema, um artigo, uma apresentação de projeto – temos uma razoável noção do preparo e do nível de conhecimento do receptor.
E mesmo assim, muitas das nossas mensagens não são devidamente decodificadas e interpretadas. É aí que entra o adendo à frase clássica que coloquei no titule deste: a atitude.

A disposição, ou atitude do receptor é um ponto crucial a ser considerado quando avaliamos o resultado da mensagem; seus elementos constituintes e sua qualidade. Uma mensagem pode estar perfeitamente elaborada, clara, estruturada e compreensível. O mesmo receptor pode, numa ocasião, rejeitá-la ou não compreendê-la, e num segundo momento, perceber facilmente seu valor.
Em termos de comportamentos do receptor, para fins dessa análise, vou destacar três atitudes básicas:

Ativa – quando o receptor tem empatia com a mensagem, seja por suas características, seja pela empatia pelo emissor; ele tende a ser “todo ouvidos”, dar atenção, focar na absorção da mensagem. Às vezes, tende inclusive a demonstrar sua adesão à mensagem por meio de gestos, assentir com a cabeça, sorrir ou até mesmo complementar frases. Essa atitude valoriza os pontos positivos da mensagem, e normalmente, se o receptor tem reservas ou dúvidas quanto a alguns aspectos da mensagem, vai aguardar que toda ela seja compreendida, para só então levantar suas dúvidas ou questionamentos, normalmente sob a forma de perguntas. Muitas vezes vai formular as perguntas de modo a guiar as respostas para que estas vão ao encontro de suas expectativas. Isso tudo demonstra claramente sua “vontade” ativa por consumir a mensagem e aceitá-la.

Neutra – quando o receptor não tem empatia especial, mas não tem “nada contra” a mensagem. Recebe-a de modo neutro, analisando seus argumentos, muitas vezes questionando durante a emissão da mensagem, mas de modo que demonstra curiosidade e esforço de entendimento. Busca a compreensão “macro” da mensagem e faz perguntas objetivas, simples, destinadas a esclarecer pontos específicos ou interpretações gerais, e normalmente não toma partido a favor ou contra durante a apresentação da mensagem. Esse receptor está observando toda a mensagem antes de tomar partido em relação a ela. Aqui, se a mensagem é competentemente constituída, a chance de sucesso é grande. Se, entretanto, a mensagem é deficiente, seja na forma, argumentação ou conteúdo, a adesão torna-se difícil.

Defensiva – esta é a atitude que originalmente me levou a escrever este texto, visto que ela parece cada dia mais comum, especialmente nos ambientes corporativos. O receptor em atitude defensiva tem comportamentos muito peculiares, que pouco ou quase nada são influenciados – ou influenciáveis – pela qualidade da mensagem. Em atitude defensiva, o receptor tem pensamentos pré-concebidos em relação à mensagem, o seu conteúdo, forma ou emissor. Essa atitude defensiva faz com que o receptor se agarre aos seus conceitos preestabelecidos como se fossem escudos a protegê-lo da mensagem, que é vista como verdadeira ameaça – e assim o é, de fato – é uma ameaça ao modo de pensar que o receptor adotou como “o único verdadeiro” ; inquestionável. A atitude defensiva começa por dedicar pouca atenção à mensagem. Mesmo quando parece atento, este receptor frequentemente, está dividido entre captar a mensagem e construir conscientemente argumentos que possam invalidá-la. A atenção deste receptor se fixa diretamente nos pontos onde ele possa apoiar suas objeções: as partes eventualmente concordantes terão pouca atenção. Mas apenas um, ou uns poucos pontos de “ameaça” identificados são suficientes para que esse receptor se agarre a eles. A partir daí, há a tendência ao questionamento específico, detalhista e monotemático: sempre aqueles mesmos pontos específicos de discordância estarão nas perguntas ou intervenções do receptor. O receptor defensivo normalmente vai se recusar a “pensar macro”, terá pouca ou nenhuma disposição para analisar o quadro por inteiro. Vai se prender a detalhes, mesmo que estes sejam pouco relevantes. Caso tenha suas objeções derrubadas, tenderá a descer cada vez mais fundo a detalhes cada vez menores e mais específicos, na busca por aquilo que, desde o princípio, deseja: invalidar a mensagem, que considera uma ameaça às suas crenças, à sua “verdade única”.

O que fazer?
O mais útil nesta discussão talvez seja: o que fazer nessas situações? Quando seu receptor é ativo ou neutro, se a sua mensagem é competentemente estruturada e suas intenções de fato produtivas, não há com que se preocupar, ocorre o sucesso da comunicação, o sucesso da transmissão da mensagem, e a conseqüente adesão, concordância, representada pela compra, pela aceitação, pelo engajamento do receptor.

Mas quando o receptor é defensivo, muitas vezes ocorre, por parte dos responsáveis pela mensagem, uma perigosa inversão de ângulo: culpam a mensagem, por eficaz que ela seja, por mais corretamente estruturada. Chamo a isso de inversão porque quando afirmamos: “o sentido parte do receptor”, não podemos considerar que o receptor seja, jamais, um elemento de julgamento pleno, justo, imparcial e exclusivamente racional. Como profissionais de comunicação, temos a obrigação de reconhecer e julgar uma mensagem competentemente desenvolvida. Somos incumbidos de criar estas mensagens, tanto quanto incumbidos de considerar as possíveis reações e interpretações dos receptores. E não podemos invalidar nosso julgamento em função da atitude do receptor: estamos, ou pelo menos devemos estar (e por devemos, entenda por dever profissional mesmo) mais preparados para julgar a composição e qualidade de uma mensagem do que o receptor que não é profissional de comunicação.

Portanto, quando nossa mensagem esbarra na barreira da atitude defensiva do receptor, cabem-nos dois caminhos, não optativos, mas complementares:

Em relação ao receptor defensivo – abandone a linha de venda da mensagem imediatamente. Quanto mais você insistir nesta linha que ele identificou como ameaça, mais ele vai se defender, atacando a sua mensagem. Reconheça que o receptor está na defensiva, passe a buscar nele o entendimento do problema. Pergunte, ativamente: como você vê esta questão? O que você crê que pode ser um caminho aqui? Talvez ele se abra, e lhe forneça informações que podem dar origem a uma nova mensagem ou proposta. Talvez ele não diga nada útil, porque não saiba, ou porque simplesmente não quer trabalhar com você (oposição ao emissor).

Em relação à mensagem – especialmente se ela é uma apresentação ou projeto bem-elaborado, que custou tempo a desenvolver: procure identificar um novo potencial receptor para esta mensagem. Há algum mercado ou player similar que possa aproveitá-la?
O mais importante é que se resista a fazer o pior: culpar a mensagem, desvalorizar o que foi desenvolvido, simplesmente porque o receptor teve atitude defensiva. O receptor é sempre humano, emocional, motivado pelas suas próprias razões e interesses, muitas vezes pessoais.
E o valor e qualidade da sua mensagem não têm absolutamente nada a ver com isso.

Só pra terminar, imagine que a idéia de “destruir as mensagens que encontrem atitude defensiva” tivesse sido adotada em relação à pintura de Van Gogh: em vida, ele não vendeu um único quadro. Os receptores estavam defensivos e viam no seu estilo ousado e forte uma ameaça ao senso estético vigente à época em que foram pintados. Mas os profissionais competentes que entendiam de fato o valor daquelas mensagens resguardaram-nas do fogo.

Por isso, alguns deles ficaram milionários alguns anos depois.

© Paulo Ferreira, 2009.