quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A última de 2011


E o ano acabou, tão rápido quanto veio. O ano no qual o Brasil efetivamente deixou de ser o país do futuro, para ser o país do agora. A despeito do muito que há a ser feito antes que possamos chamar o Brasil de desenvolvido, ou mesmo civilizado, não se pode minimizar a importância desse passo.
Aqueles que estabeleceram metas acima dos números de 2010 estão frustrados. Mas a culpa é deles mesmos: já é hora de virar adulto e encarar o óbvio, ou seja, que depois de um ano de brilhante e inesperado crescimento, o ano seguinte tende a ser bom – apenas isso. O que jamais significará crescer mais que os números brilhantes de 2010.
Aqueles (raros, para minha surpresa) que tiveram os pés no chão para saber que 2011 seria um ano bom, porém nada espetacular, estão com a sensação de ter progredido, consolidado um patamar saudável.
Este foi o ano no qual pessoas do mundo todo redescobriram que podem, e devem, tomar as ruas e protestar. Os cínicos dirão que protestar não garante mudança. Eu direi apenas que não protestar garante que as coisas fiquem do mesmo jeito.
Este foi o ano de derrubada de muitas ditaduras retrogradas. O que absolutamente não quer dizer que esses países estão realmente melhores para as pessoas que vivem neles. Mas mesmo o estado de turbulência, dúvida e indefinição é superior ao estado que esmaga o cidadão que o mantém. Superior porque, mesmo que não seja bom, a mudança em si é infinitamente melhor que a modorra de quarenta anos de um ditador absolutista.
Este foi um ano estranho. O Brasil falando em emprestar dinheiro à Europa, os Estados Unidos à beira do caos de renegociação de dívida. O Dalai Lama deixando de ser líder político e tornando-se exclusivamente líder religioso – e saindo pelo mundo numa campanha para Celebrar Nossas Diferenças. Porque é da aceitação delas que se fará uma humanidade verdadeiramente plural. O Papa sendo processado por acobertar crimes contra a humanidade. O negro Obama que preside os Estados Unidos falando de dívida, a Roussef descendente Européia que preside o Brasil, de emprestar dinheiro.
Como diria o Chacrinha, 2011 não veio para explicar, veio para confundir. E seja bem vinda essa confusão que abala as certezas velhas, que espana o pó assentado por sobre as teses mofadas, que remexe o fundo e desassossega.
Que venha 2012, e que possamos seguir exatamente neste caminho. Porque como todo mundo sabe, pra arrumar de verdade alguma coisa, é preciso fazer antes uma bagunça danada.

(C) 2011. Paulo R. R. Ferreira. Todos os direitos reservados.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Steve Jobs, escolhas e futurologia


©2011 Paulo R. R. Ferreira. Todos os direitos reservados.

Somos bastante fascinados pelas formas de prever o futuro, seja pelo aspecto mais místico ou num aspecto normal e mundano. Gostaríamos de saber qual a cotação do dólar na semana que vem, tanto quanto gostaríamos de saber se uma decisão que estamos tomando hoje vai resultar em sucesso, seja ela profissional ou pessoal.
Uma abordagem muito interessante é aquela que diz que o melhor modo de prever o futuro é criá-lo. Normalmente, associamos essa frase às grandes invenções e inovações, e o sucesso pessoal e financeiro que costuma acompanhar aqueles que são capazes de fazer isso, como o recentemente falecido Steve Jobs.
Mas o que normalmente não nos damos conta é que criamos o nosso futuro a cada escolha que fazemos – com ou sem consciência disso. E o próprio Jobs falou disso no seu famoso discurso aos alunos da graduação de 2005 em Stanford. [assista aqui, com legendas em português: http://youtu.be/66f2yP7ehDs ] Como ele mesmo destacou, é um modo de ver a vida, é uma abordagem total – não apenas uma estratégia de negócios.
Toda a lei das probabilidades, vista pelo modo mais simples e direto, mostra que teremos no nosso futuro aquilo a que nos dedicamos mais intensamente no presente.
Se nos dedicamos intensamente ao trabalho e ao dinheiro, se priorizamos isso, há grande probabilidade que você tenha, no seu futuro, trabalho e dinheiro. Simplesmente porque esse foi o foco escolhido, porque foi a ele que você dedicou a maior parte do seu tempo e esforços.
Precisamos lembrar apenas que o nosso tempo é curto, finito e limitado. Cada escolha por mais atenção a um aspecto implica necessariamente em menos tempo e atenção a outros aspectos da vida. Então, quem passa 30, 40 anos de sua vida se dedicando prioritariamente ao trabalho e ao dinheiro, muito provavelmente, terá aos 60, 70 anos, construído um futuro onde trabalho e dinheiro continuam sendo o centro.
E estas escolhas, com o tempo, podem causar um sério desequilíbrio, porque as pessoas mudam suas prioridades enquanto vivem. Aos 70 anos, a maior parte das pessoas valoriza a família, as relações pessoais, a companhia e a tranqüilidade muitíssimo mais do que jamais imaginou que valorizaria.
O problema é que quem passou a vida inteira se dedicando com foco intenso voltado para trabalho e dinheiro, construiu para si, igualmente, um futuro onde esses dois itens são dominantes. Por priorizar estes dois itens, muito provavelmente conviveu pouco com a família, não conseguiu construir relações sólidas e cumplicidades duradouras. E aos 70 anos, provavelmente não vai achar que ter uma vida preenchida apenas por trabalho e dinheiro vai ser satisfatória, ou nem sequer aceitável.
Quando escolhemos as prioridades da nossa vida HOJE, estamos, na verdade, fazendo as escolhas que determinarão nosso futuro. Estamos CRIANDO nosso futuro com nossas prioridades.
E posto que nossa vida é curta, finita e limitada, é altamente perigoso passar a vida priorizando demasiadamente alguns aspectos que quase certamente vão perder valor no futuro, em detrimento de outros, que farão muita falta.
Além de tudo, adiar a vida, priorizar apenas a segurança material, é uma atitude que faria sentido num cenário onde fosse garantido que viveríamos por tempo suficiente para colher DEPOIS o que plantamos hoje.
Mas, como todos sabemos, e como nos foi iconicamente demonstrado pela morte de Steve aos 56 anos: a vida não tem certificado de garantia.


quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Como mover o queijo? | Portal HSM

Ainda não li, mas já está na minha lista: veja como o autor apresenta o trabalho:

Este livro é dedicado às pessoas e organizações que se sentem presas nas armadilhas das circunstâncias; àqueles que trabalham duro e talvez até tenham sucesso, mas que têm dificuldade de encontrar significado ou realização no que fazem; àqueles que estão jogando o jogo que não escolheram, ainda que joguem bem; àqueles cuja visão de sucesso não se restringe a mudar o jeito antigo de fazer as coisas, mas em reimaginá-las - Deepak Malhotra

Como mover o queijo? | Portal HSM:

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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Porque nos lembramos tão bem dos problemas e esquecemos as coisas boas?


Remember compliments you receive. Forget the insults. If you succeed in doing this, tell me how. (Atribuído a Kurt Vonnegut, mas também a Mary Schmich, como não tenho certeza, cito ambos.)

Porque nos lembramos dos problemas e ameaças e insultos tão perfeitamente e nos esquecemos das coisas boas,?  A resposta rápida? Evolução, sobrevivência. Ou, para entender um pouco melhor, é um processo de aprendizado e especialização do cérebro, destinado a garantir que nossa vida seja mais segura e menos ameaçada. Acontece que o processo foi estabelecido nas savanas africanas, desde nossos ancestrais longínquos. Quando algo ameaçava ou fazia mal – precisava ser registrado pelo cérebro – que Por isso tende a fazer de qualquer ofensa ou ameaça uma grande coisas – mesmo que não seja. É assim que ele protege você. Fazendo a menor ameaça parecer maior e mais perigosa (se tem alguma duvida de como isso é comum, pergunte a uma mulher que tamanho tinha a última barata que ela viu). O fato de que o cérebro aprendeu que exagerar o tamanho das ameaças é uma boa forma de fazer com que você se lembre delas para sempre – o que por sua vez é um bom caminho para evitá-las e assim, ficar vivo.
Já com a felicidade, a tranqüilidade e as coisas boas – isso não funciona do mesmo modo: mesmo que você não se lembre que algo lhe fez bem – esse esquecimento não poderá matá-lo. E assim desenvolvemos a capacidade de achar que todos os problemas são enormes e ameaçadores. Já as coisas boas, não são vistas sob essa lente de aumento.
Ao transportar isso ao século 21 é que tudo fica bem mais complicado. A maioria das pessoas não passa nenhum risco de vida todos os dias. Os problemas que o cidadão comum das grandes cidades experimenta não significam morte, nem ameaçam a continuidade da espécie. Mas nossos sistemas não tem upgrades muito freqüentes.  Muitas das nossas estratégias cerebrais continuam as mesmas, milhares de anos depois.
Hoje, precisamos muito mais nos lembrar do que gostamos, dar atenção às coisas boas e a quem nos faz feliz. Deveríamos falar o mínimo possível dos pequenos problemas não-fatais que temos todos os dias – e falar muito do que nos deixa feliz, nos faz bem e nos realiza.
Se não por muitas outras razões, no mínimo porque uma grande e séria ameaça a nós, hoje, é o sentimento de depressão, de nos sentirmos ameaçados, sozinhos psicologiacamente. A verdadeira ameaça hoje é o sentimento de que o mundo nos faz mal, que temos milhares de problemas. Os nossos problemas hoje são muito mais do tipo imaginário, mental, ou moral. Raros deles são fatais.
Cada dia mais, fale das coisas que você gosta e das pessoas que você ama.
Traga isso na mente, nas fotos, na carteira e sobretudo, traga tudo isso dentro de você mesmo. Tenha consciência do bem que lhe fazem as pessoas que você ama.
A maioria dos nosso problemas cotidianos que temos hoje vai ser completamente irrelevante daqui a um mês, seis meses, um ano.
Ter uma consciência clara e viva das coisas boas – isso é que vai nos garantir que iremos perseguir, priorizar e reservar tempo para viver de acordo com a felicidade que queremos ter. Hoje, mês que vem, ano que vem. E assim por toda a vida afora.

(C) 2011. Paulo R. R. Ferreira. Todos os direitos reservados.


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Robert Happé (1/4) - Consciência é a Resposta - YouTube

Robert Happé nasceu em Amsterdã, Holanda. Estudou religiões e filosofias na Europa e dedicou-se desde então a descobrir o significado da vida. Estudou também Vedanta, Budismo e Taoísmo no Oriente durante 14 anos, tendo vivido e trabalhado com nativos de diferentes culturas de cada região onde esteve - Índia, Tibet, Camboja e Taiwan.
Desde 1987 vem compartilhando informações em forma de seminários e workshops em países da Europa, na África do Sul, nos EUA, na Austrália, e no Brasil.

Seu trabalho é independente, estando desvinculado, sob todo e qualquer aspecto, de organizações religiosas, seitas, cultos e outros grupos.

Robert Happé (1/4) - Consciência é a Resposta - YouTube:

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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A inovação além da ideia. Especial Inovação com Chris Trimble - 3 | Mundo do Marketing

A inovação além da ideia. Especial Inovação com Chris Trimble - 3 | Mundo do Marketing: "O terceiro artigo do Especial Inovação sobre a passagem de Chris Trimble, Professor na Tuck School of Business, da Dartmouth University e co-autor dos best-sellers ‘O outro lado da inovação’ e ‘Os 10 mandamentos da inovação estratégica’, pelo Brasil aborda a tendência nascente de inovação pelos países em desenvolvimento,"

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A inovação além da ideia. Especial Inovação com Chris Trimble - 2 | Mundo do Marketing

A inovação além da ideia. Especial Inovação com Chris Trimble - 2 | Mundo do Marketing: "A inovação além da ideia. Especial Inovação com Chris Trimble - 2

Por Paulo Ferreira*

Chris Trimble é Professor na Tuck School of Business, da Dartmouth University, e coautor dos best-sellers 'O outro lado da inovação' e 'Os 10 mandamentos da inovação estratégica'. Apresentou suas ideias no Fórum HSM de Inovação e Crescimento. No segundo artigo do Especial Inovação sobre sua passagem pelo Brasil, trechos da entrevista exclusiva concedida ao Mundo do Marketing."

terça-feira, 19 de julho de 2011

Entrevistando Chris Trimble para o Mundo do Marketing


Esta semana sai o segundo artigo da série Especial Inovação com Chris Trimble no Mundo do Marketing, com a entrevista exclusive durante o Forum HSM de Inovação e Crescimento.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

trendwatching.com: Agora em Português!

Desde 2009 eu colaboro com o Trendwatching, e fiquei muito feliz hoje com a divulgação do site e relatórios de tendências em português. É o mais importante site mundial de tendências, e mais do que nunca, está de olho no Brasil, como de resto, o mundo todo, certo?


Para acessar, clique no link:


http://trendwatching.com/pt/trends/

terça-feira, 12 de julho de 2011

Guy Kawasaki- Make Meaning in Your Company

Uma das Palestras mais incríveis que já vi na vida sobre empreendedorismo, completa e completamente gratuita, para assistir quando quiser. GUY KAWASAKI, um dos responsáveis pela criação do Apple Macintosh. Vale lembrar uma coisinha só: pra fazer sentido, precisa AGIR de acordo com o que aprendemos, porque apenas assistir a palestra e achar genial, não muda nada. Como disse outro oriental famoso, Kung-FU-Tze (Confúcio): "Saber e não fazer ainda não é saber."

Stanford's Entrepreneurship Corner: Guy Kawasaki, Garage Technology Ventures - Make Meaning in Your Company

domingo, 5 de junho de 2011

Wayseer Manifesto

Wayseer Manifesto

É um incrível modo de lançar um livro - que eu creio que vai ser um best-seller. Mas é mais do que isso. Não apenas um trabalho forte de viralização e mídia social - mas algo que tem raízes em estudos (o autor é do MIT) muito interessantes.

Vá, veja e julgue por você mesmo.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ensaio: o ambiente inovador, o mercado consumidor e a dura realidade.

Ensaio: o ambiente inovador, o mercado consumidor e a dura realidade.

© 2011 Paulo R. Ferreira.

O questionamento, o amor pela pergunta, a curiosidade, o inconformismo de se perguntar como aquilo pode ser melhor, mais fácil, mais simples, está na raiz, no DNA da atitude inovadora.
Mas para que a inovação aconteça e se torne realidade, essa atitude tem de ocorrer dentro de um ambiente propício à inovação, aberto, franco, verdadeiro, estimulante à tentativa e tolerante ao erro. E nessa segunda parte, do ambiente, as empresas brasileiras ainda não saíram do século dezenove.
O foco aqui é justamente buscar meios para acelerar essa evolução, na prática e no dia a dia das empresas. O problema está na formação do ambiente porque no nível das pessoas, já foi fartamente percebido que a inovação é necessária, a criatividade, indispensável. Entretanto, para as organizações, falta muito para permitir a criação de um ambiente aberto que estimule a inovação. Quanto mais uma organização acha que tem a perder ou colocar em risco permitindo o questionamento, a quebra de paradigma, o erro - menos ela estimula a inovação das pessoas, mais ela se agarra às suas verdades passadas. Com isso, cada dia ela tem mais necessidade de inovar, mas menos possibilidade de fazer isso. Por isso, entre outras razões, a inovação acontece de forma marcante em organizações menores, mais novas: porque elas sabem que tem pouco a perder. Empresas gigantes como Google ou Facebook nasceram desse modo, sem quase nada a perder. E como são “crias” da era da Inovação, conseguem ser inovadoras hoje, mesmo tendo grandes negócios, altos valores e “muito em jogo”.
Para estimular a inovação, a organização precisa se convencer de que tem muito mais a perder e enfrentará muito mais riscos sérios à sobrevivência do negócio caso não se permita inovar.
Então o ponto fundamental para “abrir” o ambiente organizacional para a mudança e a inovação é conseguir identificar:
1 – o que está em jogo
2- o pior cenário
E então explorar esses dois aspectos insistentemente, a cada reunião, a cada decisão, a cada dia, de um modo que quebre o paradigma da estagnação.

O que está em jogo: perder negócios, perder clientes ou perder o mercado?

Perder negócios acontece, faz parte da vida de toda organização e se você não pode conviver com isso, deveria deixar a vida corporativa. Todo mundo e toda organização perdeu, perde e perderá negócios, e isso nunca vai mudar, não importa o que se faça; quem faça, o quanto se invista ou quanto tempo se perca nisso. E ter um objetivo como “nunca perder negócio” é pura perda de tempo, que se acumula em perda de rentabilidade, para se tornar eventualmente perda de clientes e terminar como perda de mercado. É preciso entender que a vida, das pessoas e das organizações, é longa como uma maratona. Não há valor nenhum em ganhar um milhão hoje e perder um milhão e duzentos amanhã, você só estará mais pobre em duzentos mil.
Perder clientes é muito diferente de perder negócios. Mesmo que alguém não opte pela sua oferta hoje, se a sua organização tem uma posição relevante e puder permanecer relevante aos olhos do cliente, ela continuará a ser considerada. O cliente não vai riscar do mapa e desconsiderar uma empresa porque ela não tem a melhor solução para ele naquele momento. Eu sou um fã da Philips e da Apple. Tenho vários produtos dessas marcas, e elas são sempre minhas primeiras opções nos seus segmentos. Mas hoje o DVD player na minha sala não é Philips. Na época em que precisei comprar um DVD player para substituir o que havia quebrado, os modelos da Philips que me interessavam estavam em falta, eles provavelmente estavam com um problema de distribuição. Nem por isso a Philips me perdeu como cliente. Minha preferência permanece. A Apple é outro exemplo disso: adoro quase tudo da Apple. Mas não me serve um sistema que queira gerenciar minhas musicas por mim. Então meu MP3 player nunca foi um i-Pod. Foi qualquer um (já tive muitos) que me permitiu gerenciar meus arquivos MP3 do jeito que eu quero, sem limitação alguma e sem qualquer exigência automática. É mais fácil perder um cliente porque você tentou atendê-lo a qualquer preço, mesmo que não fizesse sentido – do que perdê-lo porque a sua oferta num momento específico não foi escolhida. Não se pode ser tudo, para todos, o tempo todo. E na indústria, o trade-off, a escolha do que não fazer, se dá naturalmente por quantitativos. O i-Pod não me interessou, mas para milhões e ele foi sucesso. Se a Apple decidisse mudar tudo para não perder o negócio comigo, para não me perder como cliente especificamente para o i-POD, ela provavelmente perderia milhões de clientes. E colocado assim, parece óbvio – mas transponha para o setor de serviços: muitas empresas de serviços vivem mudando tudo que faz delas um sucesso para atender uma necessidade específica de um cliente específico num momento específico. O princípio é o mesmo, e você não pode abrir mão da sua espinha dorsal por um cliente! Guardadas as proporções, o erro é o mesmo!
Perder mercado ou, na verdade, perder relevância – No Brasil, o Orkut foi um fenômeno incrível. Mas foi suplantado pelo Facebook. Não conseguiu realinhar, mudar, inovar a tempo. Perdeu relevância. Com isso, perdeu mercado. As pessoas perderam o interesse por ele. Ele ainda está lá. Seu sistema é muito melhor hoje, do que era no auge. Mas não conseguiu permanecer relevante. Isso acontece com muitas organizações, muitas delas grandes e relevantes, que se mantiveram apegadas aos seus modelos, enquanto o mundo à sua volta mudou. Elas não perderam clientes porque seu serviço fosse ruim ou porque os compradores ou usuários estivessem insatisfeitos. Perderam clientes porque surgiu algo que os satisfazia mais. Não havia nada essencialmente errado com o Orkut. O que havia era algo mais no Facebook. No mundo real e complexo em que vivemos a questão não é separar o certo do errado. A questão é separar o certo do mais certo; separar “bom” do “melhor.” E veja que neste exemplo, a organização que foi superada pela inovação de um concorrente é uma das líderes em inovação; o Orkut pertence ao todo-poderoso Google. Talvez o Google tivesse pressentido a chegada do Facebook.  Fez mudanças e tentou inovar, quando o rival começou a ganhar espaço. Mas, voltamos ao ponto: o Orkut tinha na época uma base muito grande. Em outras palavras, tinha muito a perder, muito em jogo. Talvez por isso não tenha conseguido inovar a tempo. E talvez, simplesmente, o concorrente fosse muito melhor. Porque o Google protagonizou essa mesma história em relação aos demais mecanismos de busca: todos tentaram se renovar quando o Google começou a tomar espaço. Mas o Google era tão melhor, tão obviamente superior nos seus resultados, que estava destinado a se tornar um novo padrão. Acontece. É da natureza infinitamente complexa do mundo e dos negócios. E às vezes, não há nada que se possa fazer. E isso nos leva diretamente ao próximo ponto:
Qual o pior cenário?
O que fazer, quando não parece haver o que fazer? O que deveriam ter feito os competidores do Google quando notaram que ele dominaria o mercado com um serviço de busca incomparável? Aqui temos uma verdade paradoxal a ser enfrentada: se você é um investidor e simplesmente comprou ações de outra empresa no mesmo ramo; é simples: venda as ações da outra empresa, antes que elas percam valor. Se você não pode jogar para ganhar, saia do campo.
Mas isso é simples de dizer para um investidor cujos recursos podem sair de uma empresa e mudar de lugar. Mas e para os fundadores? E para o CEO? E para os colaboradores que trabalham na empresa? Para estes, é bem mais difícil aceitar isso com essa frieza. Porque eles vivem todos os dias aquela realidade. Faz parte da vida deles. É onde se realizam profissionalmente, ou pelo menos, onde deveriam.
Então, quando encaram um competidor que não pode ser batido, muitas vezes começam a distanciar-se da realidade, numa tentativa ilusória de negá-la. Isso é natural e funciona como uma esperança à qual se agarrar. Mas na verdade, a visão de quem está de fora dessas empresas competidoras é normalmente muito mais acurada que isso. O mercado e os analistas que não estão comprometidos com “sentirem-se bem” com a empresa percebem mais claramente a verdade. E ao enunciá-la, normalmente ajudam a enterrar a questão.
Conheço alguns empresários que conseguem entrar e sair de negócios com perdas mínimas. Eles não se apegam aos seus negócios. A maior parte deles pode fazer isso porque tem vários negócios diferentes, então, não pode dar-se ao luxo de se apaixonar por um deles. Já com empresários ou investidores em uma única empresa, é bem mais difícil manter esse distanciamento. Normalmente mergulham no problema – e lembre-se, você não quer mergulhar no problema, nunca. Você quer encontrar a solução. Mas enfronhar-se no problema, enfiar a cara, os ombros, os braços inteiros no problema é a reação normal. E uma vez dentro do problema, você já não o enxerga por completo, não o vê inteiro. Fica obcecado por ele.
 E é assim que começam a aparecer na imprensa as negativas mais disparatadas dos representantes das organizações. Porque a eles é necessário dizer o que ninguém mais, fora da empresa, consegue acreditar. Quando as declarações de uma empresa começam a ser obviamente “wishful thinking” , quando as pessoas do lado de fora começam a simplesmente a balançar a cabeça porque sabem que a verdade é que aquilo é um espetáculo deprimente como olhar um peixe se debatendo na areia, é isso, acabou, fim. O que resta, neste ponto é minimizar as perdas. Mas raros são os casos nos quais as empresas agem simplesmente assim. Normalmente vão se debater até o fim de seus recursos. Pense em Commodore Amiga; Atari.
Os gigantes da inovação passam por isso também: pense no Newton Pad, da Apple. Veio antes das tecnologias suficientemente desenvolvidas para o i-PAD. Foi um fracasso total. E a Apple quase afundou, enfiando recursos sem fim naquele primeiro Pad. Justiça seja feita, Steve Jobs não estava à frente da empresa na época. Mas enfim, o fato é que o Newton Pad quase faliu a Apple até que fosse engavetado, até que desistissem dele. E qual foi a melhor coisa que se poderia fazer em relação ao Newton Pad? Que ele fosse encerrado e ficasse guardado até que a tecnologia estivesse pronta para um Pad realmente bom. Isso foi o que Jobs fez.
Mas se o Newton tivesse sido deixado de lado mais rapidamente, a Apple poderia ter tido menos problemas naqueles tempos. Então, qual é o pio que podia acontecer com o Newton Pad? Qual era a pior decisão?
O pior que podia acontecer era continuar numa rota que perdia dinheiro. E foi exatamente o que foi feito. As pessoas tendem a ver a questão como vêem seus times de futebol: até a última gota, até o último instante. Mas não é futebol. Não é a guerra mundial, onde fazia sentido, pleno sentido, o “Never Surrender”. Porque, qual era o pior cenário na segunda grande guerra? Ser dominado pela Alemanha nazista! Morrer era uma perspectiva melhor que isso! Morrer lutando era uma perspectiva infinitamente mais interessante que se render aos nazistas. Eles se tornaram uma ameaça tão insuportável que foram a própria força para que todos resistissem.
Mas um produto, um mercado, valores monetários não são a guerra mundial. Não são “nazismo versus liberdade”. São investimentos e incluem interesse e paixão, sim – mas não se pode perder a perspectiva de que, se abandonarmos a “luta”, não significa o fim do mundo.
Ao contrário, permanecer indefinidamente defendendo um produto sem perspectivas, uma divisão sem futuro, a cobertura de um mercado inviável – isso é o pior que pode acontecer. Porque vai drenar todos os recursos e tornar impossível a recuperação.
Então, ao tentar visualizar o pior cenário, é preciso responder clara e pragmaticamente:
- o que acontece se desistirmos agora mesmo, imediatamente? Quanto sobra? Quantas pessoas deveremos realocar? E para qual iniciativa devemos realocar? Onde podemos aplicar os recursos que estão alocados para isto, que não está funcionando?
Se esta série de perguntas fosse feita, talvez as próprias respostas indicassem um uso melhor para os recursos.
Mas normalmente, não são estas as perguntas feitas. Geralmente são outras. Mais precisamente essas:
- de quanto mais precisamos para que dê certo? Quantas pessoas temos de contratar a mais para que isso funcione? Quais os features complementares que devemos colocar no produto?
Mas quem é que disse que pode ser sucesso? Quem disse que pode ser feito?
Ter colocado mais features no Newton Pad (o que foi feito), ter aumentado a verba de divulgação (sim, também foi feito) e ter chamado mais gente para atuar no aprimoramento do produto (sim, sim, isso também foi feito) não fez do Newton um sucesso. Só fez com que ele desse um prejuízo maior! Só aumentou as perdas.
O problema é que às vezes as organizações (e seus CEOs) agem com se pudessem determinar o que vai ser sucesso. Uma vez que tenham determinado qual deve ser o próximo sucesso, com qual faturamento, qual margem de rentabilidade e em quanto tempo, passam a pedir aos seus times que realizem a meta, que implantem o sucesso que eles planejaram.
Implantem onde? No mundo real?
Não se pode implantar nada no mundo real. Você lança, faz seu melhor e espera a reação – e continua se ajustando indefinidamente à reação. É a reação que te diz se pode ser sucesso ou não. É a reação que te diz se o seu jogo foi bom ou ruim. A vida é uma partida de xadrez: você faz o seu movimento. E não sabe se ele foi bom ou ruim, vencedor ou péssimo, até que uma reação aconteça. Se a reação foi sucesso, ok, você estava certo. Se a reação foi indiferença, você tem algo errado no que está fazendo! Mude logo! Pode ser apenas um ajuste que falte. Mas não se perca em mil ajustes. Vai ser uma reforma infinita, e no fim vai perder mais recursos.
Então, encarar o pior cenário com mais realismo e frieza ajuda a ser mais estimulante para tentativas, e mais tolerante com os erros. Porque por mais que as organizações evoluam, elas continuam operando e criando por tentativa e erro. E como há muito, muito tempo sabemos: só não erra.. quem não tenta.
Concluindo
É preciso reconhecer que as variáveis em jogo são muito mais obscuras e menos previsíveis; e que o controle que as organizações pretendem ter sobre “seus” mercados é muito mais fruto de auto-ilusão do que qualquer outra coisa.
É preciso aceitar que não se pode definir ou comprar o sucesso com dinheiro, com pessoas ou com tempo. Isso é pura arrogância, quase megalomania; é a reação do mercado que determina o que vai ser sucesso.
Por isso, faz todo o sentido ser mais aberto, permitir arriscar em novos modelos e novas idéias: porque o “controle” não existe, é precário, e a capacidade de prever é quase inexistente.
Por isso, faz muito sentido permitir que as críticas e as dúvidas sejam expressas com toda liberdade dentro das organizações: milhões são desperdiçados todos os dias em iniciativas nas quais nem mesmo as pessoas que estão dentro da organização acreditam – porque estas não podem dizer isso ao chefão de “definiu” qual seria o novo sucesso da companhia.
Com uma atitude mais aberta e menos arrogante, é mais provável engajar mais pessoas, e alcançar mais idéias inovadoras.
Mais tentativas significam mais possibilidades. Se há uma coisa que Google e Apple nos ensinaram nos últimos anos é: crie, produza e coloque no mercado. Depois faça os ajustes, observando... as reações do mercado.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Chade-Meng Tan: Compaixão na base da cultura do Google | Video on TED.com

Chade-Meng Tan: Everyday compassion at Google | Video on TED.com

Uma das empresas mais valiosas do mundo. Uma das que mais cresce. Inquestionavelmente inovadora. Estimula seus colaboradores a praticar... compaixão. Este colaborador do Google desenvolveu um programa que se destina a desenvolver a inteligência emocional das pessoas que trabalham na empresa.

Por que? Segundo ele, porque isso é bom, divertido e está na base da atitude que faz do Google uma das companhias de maior sucesso no mundo hoje.

Curioso: todos os dias, milhares de empreendedores acordam todos os dias sonhando em fazer de suas empresas o próximo Google.

Quantos destes vão se permitir assistir este vídeo. Quantos vão se permitir dar atenção a este aspecto aparentemente tão distante dos lucros e da rentabilidade?

domingo, 10 de abril de 2011

Inovação não nasce pronta: Newton Pad e o Mouse.


Inovação não nasce pronta. Nem pode-se esperar reconhecer o valor da idéia de imediato.
Procurando inovação? Procure idéias estranhas, aquelas que não parecem realmente se encaixar, que tragam em si um mínimo de estranhamento.
O papel do estranhamento é fundamental: O pensamento altamente conformado e adaptado não cria nada radicalmente novo. Existe um papel para o estranhamento – ele nasce de uma idéia que é forte e segura na cabeça do autor, mas que aos demais parece ligeiramente fora de ordem. E nisso reside uma parte da dificuldade das empresas em embarcar na inovação.
As empresas procuram um vencedor óbvio – uma idéia que esteja pronta e redonda o suficiente para dar resultados imediatos. Ora, uma idéia assim quase nunca será inovadora de fato.
Uma característica básica das idéias inovadoras é que elas se apresentam (pelo menos um pouco) à frente do seu tempo. Por isso ninguém pensou nelas ainda. E por isso, muitas vezes o ambiente não está totalmente pronto para recebê-las, requerendo, então, uma série de preparações e adaptações, muitas vezes requerendo que se amargue um erro para mais tarde chegar ao acerto.
Que as empresas não tem paciência de fazer, vítimas que são do imbecilizante olhar exclusivamente focado no resultado trimestral. The quarter course – A maldição do trimestre. E com isso jogam fora oportunidades de inovar.
O mouse, por exemplo, foi criado nos laboratórios experimentais da Xerox. Ficou lá, jogado num canto e relegado a pouco importância por muito tempo, até que Steve Jobs, numa visita ao laboratório, foi capaz de intuir um uso adequado para ele. O mouse, na visão da Xerox, era uma idéia insuficiente, que não resolvia e tinha sido abandonada. Uma empresa que mantinha todo um parque de laboratórios de inovação e pagava profissionais para isso, não foi capaz de ver o potencial da invenção.
E quem se lembra do primeiro tablet colocado no mercado? Chamava-se Newton. E foi lançado pela… sim, pela Apple! E não funcionou, não vendeu nada e quase afundou a companhia. Mas foi o erro mais retumbante da Apple que preparou terreno para seu grande acerto chamado… i-Pad. Anos depois. Vários anos depois. Como é que alguém faz isso, se tiver a totalidade da empresa focada no resultado do trimestre? A resposta é simples: não faz. Por isso tão poucas empresas fazem. Por isso apenas a Apple é a Apple. Porque tem um louco visionário que separa uma parte do seu pessoal e diz a eles: façam, criem e pesquisem. E garante que ninguém, nem mesmo o CEO, interfere com o trabalho deles. Como? Pré-aprovando equipe e budget dedicado por uns cinco anos, sem permitir que qualquer pessoa, por CINCO ANOS mexa na equipe ou no budget, não importa quais sejam os resultados.
Quantos mouses você acha que estão largados pelas empresas ao redor do mundo? Quantas empresas vão se permitir aprender com seus Newtons o suficiente para chegarem aos seus i-Pads?




(C) Paulo R. Ferreira 2011. Todos os direitos reservados.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Imagem de Marca: sua empresa demite por criticar o chefe no Facebook?

Leio que chegou a um acordo extrajudicial no último dia 8 o processo movido pelo National Labor Relations Board  (uma espécie de agência reguladora das relações de trabalho nos EUA) contra a empresa de serviços de emergências médicas chamada American Medical Response of Connecticut, que supostamente havia demitido uma funcionária por haver postado críticas ao seu chefe no Facebook.


Com o acordo extrajudicial, o caso não estabelece um precedente legal válido, mas ainda assim, chama muita atenção que a empresa acusada tenha buscado um acordo e concordado em revisar suas políticas e regulamentos sobre o que os funcionários podem ou não comentar na internet. O conselheiro geral do NLRB, Lafe Solomon, foi muito claro numa declaração extremamente importante, logo no início do caso, em novembro do ano passado:

“Este é um caso muito claro em relação ao Ato de Relações de Trabalho (n.do a.: a lei trabalhista americana): Não importa se é no Facebook ou no bebedouro da empresa, eram funcionários falando juntos sobre suas condições de trabalho; neste caso, sobre seu supervisor; e eles têm o direito de fazer isso.”

Ou seja, as leis trabalhistas e os tribunais americanos demonstram claramente que a censura não será aceita e que demitir um colaborador por discutir suas condições de trabalho, ainda que no Facebook, não é uma atitude que vai passar sem ser notada. Ponto para a liberdade individual de expressão, muito mais importante que o interesse específico de qualquer companhia. Mas às empresas, preocupadas com a preservação das suas marcas, de fato seus ativos mais valiosos – resta a questão: o que fazer sobre isso?

A resposta, cada dia mais, parece ser como dizem os americanos: “practice what you preach”, numa tradução livre, faça aquilo que você diz. Se a empresa quer ser percebida como socialmente responsável, quer os benefícios de valor de marca que vêm junto com uma imagem forte e consistente no mercado, ela precisa fazer jus a essa imagem que quer projetar. Cem por cento do tempo. Em tempos menos transparentes, as companhias desenvolveram uma habilidade muito forte em vender uma imagem muito melhor do que geralmente tinham “dentro de casa”,  especialmente no que diz respeito aos seus colaboradores.

Hoje, os funcionários são, quase todos, blogueiros, participantes de redes sociais, editores de seus próprios “diários abertos” no twitter. E todos eles têm plenos direitos a isso. Portanto, em meia hora, qualquer atitude desrespeitosa ou inadequada, qualquer pressão indevida ou acusação de abuso vai estar aberta na vitrine da internet, no Facebook, no Twitter, de onde será repercutida para outros milhares de pessoas instantaneamente. Não vai longe o dia em que um acontecimento como esse vai dar a volta ao mundo em um dia e no dia seguinte, causar estragos graves aos acionistas, derrubando o valor das ações da empresa.

São novos tempos, novos desafios. Mas as respostas para esses desafios são bastante conhecidas. Poderiam ter sido ditas pelo seu pai ou pelo seu avô: não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você. Não minta. Diga a verdade. Trate as pessoas bem, sempre. Tenha respeito por elas, sempre. Nunca abuse da boa-vontade ou da dependência econômica da relação trabalhista.

Pra não correr o risco, tenha sempre em mente que o modo que você trata seus colaboradores é tão aberto ao público consumidor quanto o site da sua empresa (e talvez muito mais interessante para a cobertura da mídia!). E se houver algum abuso mais sério, pode contar: todo mundo vai saber.
(C) 2011 Paulo R. Ferreira. Artigo Postado originalmente no Mundo do Marketing

sábado, 29 de janeiro de 2011

Enquanto você dormia


Durante o sono, sabemos que o cérebro reorganiza as experiências do dia, categorizando e criando ligações que transformam os dados da memória de curto prazo em memórias de longo prazo. De modo geral, as memorais de curto prazo funcionam como o chip de memória do computador: armazenando tudo para consumo e uso imediato, sem referencias cruzadas e rapidamente acessível. Uma informação recebida hoje fica ali disponível, acessível sem grande esforço. Quando vamos dormir, o cérebro reorganiza então a memória de curto prazo, avaliando aquilo que precisa ser guardado para futura referencia e descartando as informações desnecessárias para liberar espaço de memória. O fato de que sua reunião era as quatro horas de uma terça-feira pode ser muito irrelevante para futura referencia, então isso segue para uma área que é similar ao descarte: algo que não ficará indexado para referencia fácil. De todo modo sabemos que isso fica guardado num nível qualquer, abaixo da consciência, porque pode ser recuperado por meio de hipnose ou regressão. As informações mais relevantes recebidas na reunião, entretanto, precisam ser guardadas e acessadas novamente. Essas serão categorizadas e guardadas na memória de longo prazo, que é indexada, e podemos acessá-las novamente a qualquer momento. A memória de longo prazo é necessariamente indexada e organizada, de modo a podermos acessá-la sempre. Essa reorganização permite que o espaço de memória imediata , que é finito e limitado, seja liberado para o dia seguinte.
Precisamos dessa liberação para que possamos entender e captar as coisas no dia seguinte. As pesquisas mostram claramente que a falta de sono prejudica a percepção e dificulta o aprendizado, tornando os processos mentais mais lentos, exatamente porque temos uma área sobrecarregada, em função de não a termos liberado através da organização cerebral que aconteceria durante o sono. Durante o sono profundo, mais especificamente. Além do tempo de sono profundo, uma parte do sono é dedicada ao estado REM, no qual sonhamos. Está provado que o fato de lembrar ou não os sonhos não tem qualquer relação com o fato de sonharmos – todos sonhamos, independente de lembrarmos, e a falta de sono REM, não tem conseqüências graves como a falta de sono profundo, que cria comportamentos psicóticos e esquizofrênicos. (voltaremos às razões disso mais adiante)
Durante o sono REM e os sonhos, estamos criando as linhas de ligação para recuperação das memórias indexadas. São criados caminhos sensoriais que funcionarão como gatilhos para as nossas memórias. Para isso, áreas do cérebro que são responsáveis pelos sentidos precisam ser ativadas, de modo que o caminho se estabeleça. Assim, a área responsável pela visão precisa receber um estimulo interno para criar uma associação com a nova memória indexada no sono profundo. O Cérebro cria um disparo visual, que é percebido pelo Cérebro adormecido como uma visão – mas como estamos dormindo, isso nos vem como o que chamamos de sonho. Do mesmo modo são criados os caminhos para os outros sentidos, como olfato, tato e paladar. Mas como nossa memória é fortemente indexada e acionada por estímulos visuais, este é o aspecto mais lembrado nos sonhos, o dominante.
Seria interessante pesquisar como sonham aqueles que nunca tiveram visão, os cegos de nascença. Naturalmente deve haver um sistema diferenciado, posto que o sentido da visão nunca foi utilizado.
A falta de sono REM, portanto, impede a criação dos caminhos sensoriais para recuperação das memórias indexadas. Mas podemos continuar vivendo normalmente sem isso, por longos períodos. No longo prazo, teremos menor acesso e mais dificuldade para recuperar as memórias – e certamente seremos privados daqueles momentos em que os sentidos nos transportam ao passado; quando uma determinada visão no dia de hoje dispara uma memória complexa indexada que nos remete diretamente ao passado e a uma situação anterior. Mas porque a falta de sono profundo nos torna psicóticos e nos leva a comportamentos esquizofrênicos?
Está comprovado que os impulsos mentais esquizofrênicos são muito semelhantes aos impulsos naturais que ocorrem durante a fase REM do sono – ou seja, a esquizofrenia é na prática, como sonhar acordado. O limiar de realidade objetiva é afetado, e o esquizofrênico não consegue distinguir entre o que lhe é externo (o que acontece objetivamente no mundo) e o que e interno (o que acontece subjetivamente dentro de sua mente.)
Isso nos leva a conclusão que o sono profundo, que prepara e indexa as memórias, tem um papel fundamental na liberação do nosso limitado espaço de memória recente, não indexada. Ora, na ausência do sono profundo, o cérebro passa a operar com a memória de curto prazo sobrecarregada. Em poucos dias, privado de sono, tentará iniciar, mesmo acordado, o processo de indexação através dos sentidos, buscando um modo de aliviar a memória de curto prazo. Ao iniciar este processo de indexação utilizando as áreas dos sentidos enquanto o sujeito está acordado, cria estímulos subjetivos que se confundem com a percepção objetiva do mundo. Deste modo, sobrevém os estados psicóticos e esquizofrênicos, porque o sujeito passa a, literalmente, sonhar acordado, sendo incapaz de separar os processos objetivos dos subjetivos, passando então a uma percepção distorcida da realidade. Essas observações apontam para uma coerência importante na terapêutica atual em utilizar o sono induzido para os estados graves de esquizofrenia e psicoses. Convém lembrar que o sono induzido desse modo impede o funcionamento normal dos processos REM do sono.
Sabemos que a falta de sono profundo por períodos muito prolongados leva à morte. Mas porque? O processo de aprendizado é para o que o cérebro foi concebido. Esse processo depende da indexação das memórias. Não podemos conscientemente parar o processo de aprendizado, do mesmo modo que não podemos conscientemente para o processo biológico do fígado. Assim, trabalhando de um modo inadequado, o cérebro vai se sobrecarregando até que suas áreas responsáveis pelos processos vitais começam a ficar comprometidas. Sem a organização essencial, todo o órgão entra em colapso e faz com que o corpo acabe decaindo por erros ligados à manutenção dos processos vitais.
Curioso é que tenhamos criado computadores que são cópias dos nossos sistemas mentais: nossos computadores tem memórias RAM, que são acessíveis muito rapidamente, sem necessidade de muita indexação, mas com capacidade de armazenamento muito mais limitada, mas para grandes
volumes dependemos de baixar estes conteúdos no HD, devidamente organizado e indexado, liberando assim a memória RAM. Do mesmo modo, nós, para grandes volumes de informação, dependemos da indexação realizada durante o sono profundo, que faz com que a informação seja ligada e organizada, setorizada e catalogada pela mente, de modo a ser acessível posteriormente. Os sonhos são, portanto, a parte perceptível dos processo mentais de organização e referencia para acesso posterior.
Porque os conteúdos dos sonhos nos parecem muitas vezes incompreensíveis e até mesmo aleatórios?
Creio que a velocidade com a qual esse processo acontece no cérebro é tão grande e tão intensa, que o que lembramos dos sonhos, no geral, assemelha-se a ver um filme em velocidade muito acelerada. O meu DVD player tem uma função que exibe o filme numa velocidade 64 vezes superior à normal. O efeito de tentar assistir algo nessa velocidade é muito semelhante ao que apreendemos de uma sonho: o protagonista aparece em cena, de repente está num outro lugar, em seguida desaparece subitamente, a seguir está num outro país... claro que entre todas essas cenas, aconteceram muitas outras que deram um sentido claro e contínuo à história. Mas a questão é que ao vislumbrarmos apenas pedaços da história, numa velocidade muito acima daquela que nossa consciência pode captar, temos a sensação de descontinuidade e aleatoriedade das ações. Na verdade, nossos sonhos provavelmente tem um enredo coerente e de seqüência perfeita. Só que a velocidade com a qual o cérebro processa essas indexações é inadequada para nossa mente consciente. Desse modo, ficamos apenas com os pedaços que conseguimos captar, num conjunto que, no geral, não parece fazer sentido. Estamos apenas vendo fragmentos de um filme exibido em velocidade muito maior que a nossa compreensão consciente é capaz de captar.
E se a linguagem é o limitador da velocidade com a qual pensamos?
Levando em conta essa possibilidade de velocidade ampliada durante o sono, esse processamento acelerado em modo REM, se não tivéssemos que conscientemente verter em linguagem o que pensamos, pensaríamos muito mais depressa? As idéias vem mais rápido do que podemos expressar - mas só são reconhecidas depois de comunicadas ou pelo menos guardadas e entendidas por nos mesmos, por meio de linguagem, interna ou extremamente. sem a barreira da linguagem seriamos muito mais rápidos, sem a interface, seria muito mais veloz, exatamente como linguagem de computação de alto nível.
Isso poderia indicar um caminho para o aprendizado acelerado, se interpretarmos as ondas cerebrais do modo REM e as utilizarmos para inserir conhecimento? Posteriormente, quando da utilização do conhecimento, aí sim ele seria vertido sob forma de linguagem – mas já teríamos o conteúdo interiorizado – muito mais rapidamente do que se fosse mediado por formas de linguagem de baixo nível necessárias para a transmissão tradicional do conhecimento, como usamos hoje.


(C) 2011 Paulo R. Ferreira. Todos os direitos reservados.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Dignatário da ONU

Um jovem idealista trabalhava na ONU. O que era uma grande realização profissional, visto que acreditava ser sua vocação fazer o bem ao próximo. Ele tinha grande consideração e genuína preocupação com as condições de vida os habitantes dos países subdesenvolvidos. Deixava, de fato, de viver em seu país altamente desenvolvido e confortável para dedicar-se a ajudar os mais necessitados. Durante anos dedicou-se muito, e um dia, chegou a uma posição relevante, destacado como Dignatário da ONU para os problemas de um país africano. Viajou para o país para conhecer de perto, em primeira mão, as condições de vida dos locais.
Ficou chocado com a miséria, com as crianças doentes, com as mães sem recursos. Não que ele não esperasse por isso, mas era ainda pior sendo visto ali, ao vivo, com pulsação, nome, sobrenome e olhar de fome.
Ele estava sendo guiado em sua visita por pessoas do local, intelectuais e gente envolvida com projetos sociais e caridade. Lá pelas tantas, parou em frente a uma das choupanas mais miseráveis do lugar, à porta da qual estava um homem que era só pele e osso. Apesar de obviamente debilitado, o homem lhe sorriu simpaticamente. Em seguida, lhe disse:
- Tenho fome.
O Dignatário ouviu e hesitou por um instante. E isso foi o suficiente para que a frase, somada ao silêncio que a seguiu, atraísse alguns outros moradores que estavam próximos. Em questão de segundos, havia um pequeno grupo, que crescia a olhos vistos, cercando o Dignatário. E de certo modo, ele começava a sentir o peso que cada presença ali colocava sobre seus ombros, esperando sua resposta.
Aos poucos, ele começou a falar sobre as condições desumanas que afligiam aquele povo. Apesar de ser sua primeira visita, ele conhecia bem a natureza do problema e as particularidades da versão local da questão. Mais ele falava, mais seu tradutor se esforçava, mais as pessoas o ouviam com atenção. Pareciam mesmo emocionadas por suas palavras. Também, pudera, pensou ele; um alto Dignatário da ONU, um homem internacional, culto, criado e educado nas melhores escolas do mundo, ali, junto dessas pessoas tão miseráveis, dando-lhes atenção e se dedicando a tratar com elas de seus problemas. Era emocionante para aquelas pessoas, tão privadas de absolutamente tudo, que alguém tão diferente deles, tão privilegiado, estivesse lhes dedicando atenção. Algumas das mulheres com seus filhos pequenos no colo começaram a chorar, emocionadas.
E ele falou por vários minutos, prometeu modificar o modo de distribuição, aumentar o tempo de atendimento médico, mudar o modo como as cargas de alimento eram distribuídas, comprometeu-se a desenvolver pessoalmente um novo método logístico que ajudasse aquela gente mais efetivamente. Ao final, foi muito aplaudido, várias mães trouxeram seus filhos para contemplarem o Dignatário e receber sua atenção. O grupo começou a dispersar-se e o Dignatário notou, então, que o homem ainda estava ali, na porta de sua choupana, exatamente do mesmo modo em que o encontrou. Guardava ainda no rosto o mesmo sorriso simpático. Aproximou-se dele mais um passo, e fez sinal para o tradutor que traduzisse a conversa. Perguntou ao homem:
- Você ouviu as minhas palavras? Percebe que eu estou aqui para ajudar a mudar as coisas? Percebe que eu conheço todas as razões pelas quais seu povo se encontra nessa situação, para poder mudar algo por aqui?
- Tenho fome. – repetiu o homem.
- Sim, eu entendi isso. Mas você entendeu que estou aqui para ajudá-lo?
- Tenho fome. - disse, ainda uma terceira vez, com o mesmo sorriso no rosto magro.
O Dignatário olhou para o tradutor, um tanto desconcertado. E o tradutor lhe disse:
- Senhor, eu não quis interrompê-lo durante seu discurso aos locais – mas por estas bandas há um velho senhor estrangeiro que ajuda os nativos distribuindo comida a eles.
- Ele fundou uma ONG? Precisamos falar com ele...
- Não senhor. Ele não tem ONG, não organiza nem ensina nada. Ele apenas distribui comida para as pessoas, do modo mais justo que pode encontrar.... esse homem, ele..
- Mas sem uma organização sistemática? Sem apoio institucional? E porque é que nosso pessoal ainda não recrutou esse homem para nos ajudar, já que ele é tão respeitado por aqui?
- Bem, senhor, foi a ONU que o mandou pra cá alguns anos atrás. Ele era Dignatário da ONU, como o senhor. Mas depois de passar muitas vezes por aquele homem na porta da choupana e ouvir dele exatamente as mesmas palavras, todas as vezes,  acho que ele entendeu.


© 2011 Paulo Ferreira. Todos os direitos reservados.