segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Dignatário da ONU

Um jovem idealista trabalhava na ONU. O que era uma grande realização profissional, visto que acreditava ser sua vocação fazer o bem ao próximo. Ele tinha grande consideração e genuína preocupação com as condições de vida os habitantes dos países subdesenvolvidos. Deixava, de fato, de viver em seu país altamente desenvolvido e confortável para dedicar-se a ajudar os mais necessitados. Durante anos dedicou-se muito, e um dia, chegou a uma posição relevante, destacado como Dignatário da ONU para os problemas de um país africano. Viajou para o país para conhecer de perto, em primeira mão, as condições de vida dos locais.
Ficou chocado com a miséria, com as crianças doentes, com as mães sem recursos. Não que ele não esperasse por isso, mas era ainda pior sendo visto ali, ao vivo, com pulsação, nome, sobrenome e olhar de fome.
Ele estava sendo guiado em sua visita por pessoas do local, intelectuais e gente envolvida com projetos sociais e caridade. Lá pelas tantas, parou em frente a uma das choupanas mais miseráveis do lugar, à porta da qual estava um homem que era só pele e osso. Apesar de obviamente debilitado, o homem lhe sorriu simpaticamente. Em seguida, lhe disse:
- Tenho fome.
O Dignatário ouviu e hesitou por um instante. E isso foi o suficiente para que a frase, somada ao silêncio que a seguiu, atraísse alguns outros moradores que estavam próximos. Em questão de segundos, havia um pequeno grupo, que crescia a olhos vistos, cercando o Dignatário. E de certo modo, ele começava a sentir o peso que cada presença ali colocava sobre seus ombros, esperando sua resposta.
Aos poucos, ele começou a falar sobre as condições desumanas que afligiam aquele povo. Apesar de ser sua primeira visita, ele conhecia bem a natureza do problema e as particularidades da versão local da questão. Mais ele falava, mais seu tradutor se esforçava, mais as pessoas o ouviam com atenção. Pareciam mesmo emocionadas por suas palavras. Também, pudera, pensou ele; um alto Dignatário da ONU, um homem internacional, culto, criado e educado nas melhores escolas do mundo, ali, junto dessas pessoas tão miseráveis, dando-lhes atenção e se dedicando a tratar com elas de seus problemas. Era emocionante para aquelas pessoas, tão privadas de absolutamente tudo, que alguém tão diferente deles, tão privilegiado, estivesse lhes dedicando atenção. Algumas das mulheres com seus filhos pequenos no colo começaram a chorar, emocionadas.
E ele falou por vários minutos, prometeu modificar o modo de distribuição, aumentar o tempo de atendimento médico, mudar o modo como as cargas de alimento eram distribuídas, comprometeu-se a desenvolver pessoalmente um novo método logístico que ajudasse aquela gente mais efetivamente. Ao final, foi muito aplaudido, várias mães trouxeram seus filhos para contemplarem o Dignatário e receber sua atenção. O grupo começou a dispersar-se e o Dignatário notou, então, que o homem ainda estava ali, na porta de sua choupana, exatamente do mesmo modo em que o encontrou. Guardava ainda no rosto o mesmo sorriso simpático. Aproximou-se dele mais um passo, e fez sinal para o tradutor que traduzisse a conversa. Perguntou ao homem:
- Você ouviu as minhas palavras? Percebe que eu estou aqui para ajudar a mudar as coisas? Percebe que eu conheço todas as razões pelas quais seu povo se encontra nessa situação, para poder mudar algo por aqui?
- Tenho fome. – repetiu o homem.
- Sim, eu entendi isso. Mas você entendeu que estou aqui para ajudá-lo?
- Tenho fome. - disse, ainda uma terceira vez, com o mesmo sorriso no rosto magro.
O Dignatário olhou para o tradutor, um tanto desconcertado. E o tradutor lhe disse:
- Senhor, eu não quis interrompê-lo durante seu discurso aos locais – mas por estas bandas há um velho senhor estrangeiro que ajuda os nativos distribuindo comida a eles.
- Ele fundou uma ONG? Precisamos falar com ele...
- Não senhor. Ele não tem ONG, não organiza nem ensina nada. Ele apenas distribui comida para as pessoas, do modo mais justo que pode encontrar.... esse homem, ele..
- Mas sem uma organização sistemática? Sem apoio institucional? E porque é que nosso pessoal ainda não recrutou esse homem para nos ajudar, já que ele é tão respeitado por aqui?
- Bem, senhor, foi a ONU que o mandou pra cá alguns anos atrás. Ele era Dignatário da ONU, como o senhor. Mas depois de passar muitas vezes por aquele homem na porta da choupana e ouvir dele exatamente as mesmas palavras, todas as vezes,  acho que ele entendeu.


© 2011 Paulo Ferreira. Todos os direitos reservados.

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