quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ensaio: o ambiente inovador, o mercado consumidor e a dura realidade.

Ensaio: o ambiente inovador, o mercado consumidor e a dura realidade.

© 2011 Paulo R. Ferreira.

O questionamento, o amor pela pergunta, a curiosidade, o inconformismo de se perguntar como aquilo pode ser melhor, mais fácil, mais simples, está na raiz, no DNA da atitude inovadora.
Mas para que a inovação aconteça e se torne realidade, essa atitude tem de ocorrer dentro de um ambiente propício à inovação, aberto, franco, verdadeiro, estimulante à tentativa e tolerante ao erro. E nessa segunda parte, do ambiente, as empresas brasileiras ainda não saíram do século dezenove.
O foco aqui é justamente buscar meios para acelerar essa evolução, na prática e no dia a dia das empresas. O problema está na formação do ambiente porque no nível das pessoas, já foi fartamente percebido que a inovação é necessária, a criatividade, indispensável. Entretanto, para as organizações, falta muito para permitir a criação de um ambiente aberto que estimule a inovação. Quanto mais uma organização acha que tem a perder ou colocar em risco permitindo o questionamento, a quebra de paradigma, o erro - menos ela estimula a inovação das pessoas, mais ela se agarra às suas verdades passadas. Com isso, cada dia ela tem mais necessidade de inovar, mas menos possibilidade de fazer isso. Por isso, entre outras razões, a inovação acontece de forma marcante em organizações menores, mais novas: porque elas sabem que tem pouco a perder. Empresas gigantes como Google ou Facebook nasceram desse modo, sem quase nada a perder. E como são “crias” da era da Inovação, conseguem ser inovadoras hoje, mesmo tendo grandes negócios, altos valores e “muito em jogo”.
Para estimular a inovação, a organização precisa se convencer de que tem muito mais a perder e enfrentará muito mais riscos sérios à sobrevivência do negócio caso não se permita inovar.
Então o ponto fundamental para “abrir” o ambiente organizacional para a mudança e a inovação é conseguir identificar:
1 – o que está em jogo
2- o pior cenário
E então explorar esses dois aspectos insistentemente, a cada reunião, a cada decisão, a cada dia, de um modo que quebre o paradigma da estagnação.

O que está em jogo: perder negócios, perder clientes ou perder o mercado?

Perder negócios acontece, faz parte da vida de toda organização e se você não pode conviver com isso, deveria deixar a vida corporativa. Todo mundo e toda organização perdeu, perde e perderá negócios, e isso nunca vai mudar, não importa o que se faça; quem faça, o quanto se invista ou quanto tempo se perca nisso. E ter um objetivo como “nunca perder negócio” é pura perda de tempo, que se acumula em perda de rentabilidade, para se tornar eventualmente perda de clientes e terminar como perda de mercado. É preciso entender que a vida, das pessoas e das organizações, é longa como uma maratona. Não há valor nenhum em ganhar um milhão hoje e perder um milhão e duzentos amanhã, você só estará mais pobre em duzentos mil.
Perder clientes é muito diferente de perder negócios. Mesmo que alguém não opte pela sua oferta hoje, se a sua organização tem uma posição relevante e puder permanecer relevante aos olhos do cliente, ela continuará a ser considerada. O cliente não vai riscar do mapa e desconsiderar uma empresa porque ela não tem a melhor solução para ele naquele momento. Eu sou um fã da Philips e da Apple. Tenho vários produtos dessas marcas, e elas são sempre minhas primeiras opções nos seus segmentos. Mas hoje o DVD player na minha sala não é Philips. Na época em que precisei comprar um DVD player para substituir o que havia quebrado, os modelos da Philips que me interessavam estavam em falta, eles provavelmente estavam com um problema de distribuição. Nem por isso a Philips me perdeu como cliente. Minha preferência permanece. A Apple é outro exemplo disso: adoro quase tudo da Apple. Mas não me serve um sistema que queira gerenciar minhas musicas por mim. Então meu MP3 player nunca foi um i-Pod. Foi qualquer um (já tive muitos) que me permitiu gerenciar meus arquivos MP3 do jeito que eu quero, sem limitação alguma e sem qualquer exigência automática. É mais fácil perder um cliente porque você tentou atendê-lo a qualquer preço, mesmo que não fizesse sentido – do que perdê-lo porque a sua oferta num momento específico não foi escolhida. Não se pode ser tudo, para todos, o tempo todo. E na indústria, o trade-off, a escolha do que não fazer, se dá naturalmente por quantitativos. O i-Pod não me interessou, mas para milhões e ele foi sucesso. Se a Apple decidisse mudar tudo para não perder o negócio comigo, para não me perder como cliente especificamente para o i-POD, ela provavelmente perderia milhões de clientes. E colocado assim, parece óbvio – mas transponha para o setor de serviços: muitas empresas de serviços vivem mudando tudo que faz delas um sucesso para atender uma necessidade específica de um cliente específico num momento específico. O princípio é o mesmo, e você não pode abrir mão da sua espinha dorsal por um cliente! Guardadas as proporções, o erro é o mesmo!
Perder mercado ou, na verdade, perder relevância – No Brasil, o Orkut foi um fenômeno incrível. Mas foi suplantado pelo Facebook. Não conseguiu realinhar, mudar, inovar a tempo. Perdeu relevância. Com isso, perdeu mercado. As pessoas perderam o interesse por ele. Ele ainda está lá. Seu sistema é muito melhor hoje, do que era no auge. Mas não conseguiu permanecer relevante. Isso acontece com muitas organizações, muitas delas grandes e relevantes, que se mantiveram apegadas aos seus modelos, enquanto o mundo à sua volta mudou. Elas não perderam clientes porque seu serviço fosse ruim ou porque os compradores ou usuários estivessem insatisfeitos. Perderam clientes porque surgiu algo que os satisfazia mais. Não havia nada essencialmente errado com o Orkut. O que havia era algo mais no Facebook. No mundo real e complexo em que vivemos a questão não é separar o certo do errado. A questão é separar o certo do mais certo; separar “bom” do “melhor.” E veja que neste exemplo, a organização que foi superada pela inovação de um concorrente é uma das líderes em inovação; o Orkut pertence ao todo-poderoso Google. Talvez o Google tivesse pressentido a chegada do Facebook.  Fez mudanças e tentou inovar, quando o rival começou a ganhar espaço. Mas, voltamos ao ponto: o Orkut tinha na época uma base muito grande. Em outras palavras, tinha muito a perder, muito em jogo. Talvez por isso não tenha conseguido inovar a tempo. E talvez, simplesmente, o concorrente fosse muito melhor. Porque o Google protagonizou essa mesma história em relação aos demais mecanismos de busca: todos tentaram se renovar quando o Google começou a tomar espaço. Mas o Google era tão melhor, tão obviamente superior nos seus resultados, que estava destinado a se tornar um novo padrão. Acontece. É da natureza infinitamente complexa do mundo e dos negócios. E às vezes, não há nada que se possa fazer. E isso nos leva diretamente ao próximo ponto:
Qual o pior cenário?
O que fazer, quando não parece haver o que fazer? O que deveriam ter feito os competidores do Google quando notaram que ele dominaria o mercado com um serviço de busca incomparável? Aqui temos uma verdade paradoxal a ser enfrentada: se você é um investidor e simplesmente comprou ações de outra empresa no mesmo ramo; é simples: venda as ações da outra empresa, antes que elas percam valor. Se você não pode jogar para ganhar, saia do campo.
Mas isso é simples de dizer para um investidor cujos recursos podem sair de uma empresa e mudar de lugar. Mas e para os fundadores? E para o CEO? E para os colaboradores que trabalham na empresa? Para estes, é bem mais difícil aceitar isso com essa frieza. Porque eles vivem todos os dias aquela realidade. Faz parte da vida deles. É onde se realizam profissionalmente, ou pelo menos, onde deveriam.
Então, quando encaram um competidor que não pode ser batido, muitas vezes começam a distanciar-se da realidade, numa tentativa ilusória de negá-la. Isso é natural e funciona como uma esperança à qual se agarrar. Mas na verdade, a visão de quem está de fora dessas empresas competidoras é normalmente muito mais acurada que isso. O mercado e os analistas que não estão comprometidos com “sentirem-se bem” com a empresa percebem mais claramente a verdade. E ao enunciá-la, normalmente ajudam a enterrar a questão.
Conheço alguns empresários que conseguem entrar e sair de negócios com perdas mínimas. Eles não se apegam aos seus negócios. A maior parte deles pode fazer isso porque tem vários negócios diferentes, então, não pode dar-se ao luxo de se apaixonar por um deles. Já com empresários ou investidores em uma única empresa, é bem mais difícil manter esse distanciamento. Normalmente mergulham no problema – e lembre-se, você não quer mergulhar no problema, nunca. Você quer encontrar a solução. Mas enfronhar-se no problema, enfiar a cara, os ombros, os braços inteiros no problema é a reação normal. E uma vez dentro do problema, você já não o enxerga por completo, não o vê inteiro. Fica obcecado por ele.
 E é assim que começam a aparecer na imprensa as negativas mais disparatadas dos representantes das organizações. Porque a eles é necessário dizer o que ninguém mais, fora da empresa, consegue acreditar. Quando as declarações de uma empresa começam a ser obviamente “wishful thinking” , quando as pessoas do lado de fora começam a simplesmente a balançar a cabeça porque sabem que a verdade é que aquilo é um espetáculo deprimente como olhar um peixe se debatendo na areia, é isso, acabou, fim. O que resta, neste ponto é minimizar as perdas. Mas raros são os casos nos quais as empresas agem simplesmente assim. Normalmente vão se debater até o fim de seus recursos. Pense em Commodore Amiga; Atari.
Os gigantes da inovação passam por isso também: pense no Newton Pad, da Apple. Veio antes das tecnologias suficientemente desenvolvidas para o i-PAD. Foi um fracasso total. E a Apple quase afundou, enfiando recursos sem fim naquele primeiro Pad. Justiça seja feita, Steve Jobs não estava à frente da empresa na época. Mas enfim, o fato é que o Newton Pad quase faliu a Apple até que fosse engavetado, até que desistissem dele. E qual foi a melhor coisa que se poderia fazer em relação ao Newton Pad? Que ele fosse encerrado e ficasse guardado até que a tecnologia estivesse pronta para um Pad realmente bom. Isso foi o que Jobs fez.
Mas se o Newton tivesse sido deixado de lado mais rapidamente, a Apple poderia ter tido menos problemas naqueles tempos. Então, qual é o pio que podia acontecer com o Newton Pad? Qual era a pior decisão?
O pior que podia acontecer era continuar numa rota que perdia dinheiro. E foi exatamente o que foi feito. As pessoas tendem a ver a questão como vêem seus times de futebol: até a última gota, até o último instante. Mas não é futebol. Não é a guerra mundial, onde fazia sentido, pleno sentido, o “Never Surrender”. Porque, qual era o pior cenário na segunda grande guerra? Ser dominado pela Alemanha nazista! Morrer era uma perspectiva melhor que isso! Morrer lutando era uma perspectiva infinitamente mais interessante que se render aos nazistas. Eles se tornaram uma ameaça tão insuportável que foram a própria força para que todos resistissem.
Mas um produto, um mercado, valores monetários não são a guerra mundial. Não são “nazismo versus liberdade”. São investimentos e incluem interesse e paixão, sim – mas não se pode perder a perspectiva de que, se abandonarmos a “luta”, não significa o fim do mundo.
Ao contrário, permanecer indefinidamente defendendo um produto sem perspectivas, uma divisão sem futuro, a cobertura de um mercado inviável – isso é o pior que pode acontecer. Porque vai drenar todos os recursos e tornar impossível a recuperação.
Então, ao tentar visualizar o pior cenário, é preciso responder clara e pragmaticamente:
- o que acontece se desistirmos agora mesmo, imediatamente? Quanto sobra? Quantas pessoas deveremos realocar? E para qual iniciativa devemos realocar? Onde podemos aplicar os recursos que estão alocados para isto, que não está funcionando?
Se esta série de perguntas fosse feita, talvez as próprias respostas indicassem um uso melhor para os recursos.
Mas normalmente, não são estas as perguntas feitas. Geralmente são outras. Mais precisamente essas:
- de quanto mais precisamos para que dê certo? Quantas pessoas temos de contratar a mais para que isso funcione? Quais os features complementares que devemos colocar no produto?
Mas quem é que disse que pode ser sucesso? Quem disse que pode ser feito?
Ter colocado mais features no Newton Pad (o que foi feito), ter aumentado a verba de divulgação (sim, também foi feito) e ter chamado mais gente para atuar no aprimoramento do produto (sim, sim, isso também foi feito) não fez do Newton um sucesso. Só fez com que ele desse um prejuízo maior! Só aumentou as perdas.
O problema é que às vezes as organizações (e seus CEOs) agem com se pudessem determinar o que vai ser sucesso. Uma vez que tenham determinado qual deve ser o próximo sucesso, com qual faturamento, qual margem de rentabilidade e em quanto tempo, passam a pedir aos seus times que realizem a meta, que implantem o sucesso que eles planejaram.
Implantem onde? No mundo real?
Não se pode implantar nada no mundo real. Você lança, faz seu melhor e espera a reação – e continua se ajustando indefinidamente à reação. É a reação que te diz se pode ser sucesso ou não. É a reação que te diz se o seu jogo foi bom ou ruim. A vida é uma partida de xadrez: você faz o seu movimento. E não sabe se ele foi bom ou ruim, vencedor ou péssimo, até que uma reação aconteça. Se a reação foi sucesso, ok, você estava certo. Se a reação foi indiferença, você tem algo errado no que está fazendo! Mude logo! Pode ser apenas um ajuste que falte. Mas não se perca em mil ajustes. Vai ser uma reforma infinita, e no fim vai perder mais recursos.
Então, encarar o pior cenário com mais realismo e frieza ajuda a ser mais estimulante para tentativas, e mais tolerante com os erros. Porque por mais que as organizações evoluam, elas continuam operando e criando por tentativa e erro. E como há muito, muito tempo sabemos: só não erra.. quem não tenta.
Concluindo
É preciso reconhecer que as variáveis em jogo são muito mais obscuras e menos previsíveis; e que o controle que as organizações pretendem ter sobre “seus” mercados é muito mais fruto de auto-ilusão do que qualquer outra coisa.
É preciso aceitar que não se pode definir ou comprar o sucesso com dinheiro, com pessoas ou com tempo. Isso é pura arrogância, quase megalomania; é a reação do mercado que determina o que vai ser sucesso.
Por isso, faz todo o sentido ser mais aberto, permitir arriscar em novos modelos e novas idéias: porque o “controle” não existe, é precário, e a capacidade de prever é quase inexistente.
Por isso, faz muito sentido permitir que as críticas e as dúvidas sejam expressas com toda liberdade dentro das organizações: milhões são desperdiçados todos os dias em iniciativas nas quais nem mesmo as pessoas que estão dentro da organização acreditam – porque estas não podem dizer isso ao chefão de “definiu” qual seria o novo sucesso da companhia.
Com uma atitude mais aberta e menos arrogante, é mais provável engajar mais pessoas, e alcançar mais idéias inovadoras.
Mais tentativas significam mais possibilidades. Se há uma coisa que Google e Apple nos ensinaram nos últimos anos é: crie, produza e coloque no mercado. Depois faça os ajustes, observando... as reações do mercado.