quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Adjetivos

Nosso tempo tem características bizarras. Uma delas, sem dúvida, é o uso de adjetivos. A função dos adjetivos sempre foi qualificar, exprimir características específicas a sujeitos, de resto, simples: uma cadeira azul, em oposição a simplesmente uma cadeira. E são ferramentas importantes na expressão de opinião. Bom, ruim, fraco, excelente – são conceitos subjetivos, mas antes de tudo, são adjetivos que usamos para descrever algo, ou pelo menos uma opinião sobre algo.
Pois bem, hoje os adjetivos estão cada vez mais desempenhando papel de eufemismos. É mais ou menos assim: o eufemismo é dizer uma coisa para suavizar o conteúdo, para tornar menos contundente uma revelação, por exemplo. É o famoso “seu gato subiu no telhado” ao invés de simples e diretamente dizer que o gato morreu. Fica menos claro, menos informativo, mas compromete menos quem emite a opinião. E é justamente por isso que o adjetivo está perdendo seu uso clássico: porque as pessoas tem medo de emitir opiniões e dizer o que pensam de modo claro. Compromete demais. Imagina alguém te perguntar algo sobre Tropa de Elite e você responder que adorou, gostou muito que é um grande, excelente filme. Pronto: você está comprometido com o que disse, pra você é um excelente filme.

Hoje em dia ninguém quer mais isso: é interessante, é bacana, é válido (e aqui, com licença, mas dizer que algo é válido é o cúmulo do “em cima do muro”) qualquer adjetivo que permita, depois da contra-opinião, rever a conversa com a possibilidade de mudar completamente o rumo do que foi dito:

- você viu o filme?

- Vi sim, é muito interessante...

- ah, mas tem falhas terríveis de roteiro.

- é, é interessante, mas o roteiro deixa a desejar...

Pronto: já ficou agradável, já saiu concordando, cordeirinho balançando a cabeça; sem discussão. Se quem perguntou foi o chefe, então, melhor ainda...

E vivemos nesse tempo que é resultado dessa atitude flácida, que não toma posição, que não defende idéias, que não confronta pontos de vista. Um tempo rico em politicagem, em falação vazia, e fraco de idéias. Criam-se produtos maravilhosos, tecnologias esplêndidas, mas idéias? Quando foi a última discussão acalorada da qual você participou? Quando foi que ficou na ponta de cadeira, discutindo e debatendo algo, eventualmente discordando do seu interlocutor – e exatamente por isso – ambos cresceram com o debate? Se você, como eu, é feliz o suficiente pra conviver com gente de nível pra fazer isso regularmente, que bom. Mas saiba – você é minoria.

O ponto mesmo é que ninguém precisa da briga – mas todos nós precisamos do confronto de idéias – para que elas cresçam e se desenvolvam. E isso exige tomada de posição. Sou a favor – sou contra – gosto, detesto. Posições claras, longe do conforto burro do “não sei, mas parece que falta algo". Isso é de uma covardia absurda: veta, interrompe, mas não traz nada para o debate. Barra o andamento, sem oferecer nenhum argumento lógico ou válido para que o outro possa responder. A mais perfeita arma dos incompetentes, dos indigentes culturais: “falta alguma coisa, mas eu não sei o que é.”.

Isso é uma afirmação tão absoluta de falta de consistência que em outros tempos, ninguém se permitiria dizer, por um mínimo de vergonha na cara. Se você vai se opor a algo, seja o que for, por favor, primeiro tenha argumentos, para depois abrir a boca.

Mas enfim, esses são nossos tempos cinzentos, onde nada deve ser claro, onde preto e branco não combinam com a flacidez, a politicagem e a falta de espinha dorsal das pessoas “certinhas”, saudáveis e prósperas, centradas no consumo descartável e no “tudo bem contanto que não me incomode pessoalmente”.

Então, pra terminar e deixar bem claro, bem estabelecido: sou contra essa moleza de intelecto, sou contra essa mania de achar que o agradável vale mais do que a verdade.

Pronto, falei. Agora, azar o meu.

4 comentários:

  1. Paulo bom dia!

    Entendo perfeitamente o que você comenta, pois venho vivendo isso
    na pele. Sempre que se inicia um
    assunto onde trabalho, quando vou
    fazer um comentário, sempre há
    alguém pra dizer; "Pronto lá vem
    o proconceituoso, o polêmico ou
    coisa que o valha", isso me irrita profundamente, pois tenho minhas opiniões e convicções, mas ninguém respeita e isso é lamentável.
    Valeu e um abraço.
    Maurici Manfré

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  2. É:superpopulação em cima do muro!
    Aos quentes ou frios,um beijo de mel na testa!Mas aos mornos,argh esses a gente vomita...

    E o mais idiota disso tudo,é que se pode ser taxado de antisocial quando se defende algo,se anseia por algo além do neutro e covarde...
    E o ironico é que é justamente o oposto do antisocial:porque no confronto,você compartilha...
    Na neutralidade covarde que voce descreveu,nenhuma profundidade é alcançada.

    Abraços,'Big Fish'!

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  3. Olá!

    Nossa, isso me fez lembrar da única briga que tive com a minha melhor amiga, que foi na época que tivemos que votar contra ou a favor do porte de armas. Foi muito legal. Não costumo esconder opinião, mas também não tento fazer todo mundo ter a minha. Acho que é mais sobre explicar o meu ponto de vista para a pessoa entender a lógica, e claro, escutar e tentar entender por que diabos a pessoa tem outro. Mas nesse caso, ela não queria aceitar a minha opinião, e eu não estava acreditando. Normalmente discussões e debates não significam brigas, significam conversa. Mas até que é divertido quando dá uma esquentadinha.

    Agora, como sabe, voltei para a Suécia. Acredite: aqui, além de ser a terra do feminismo exagerado, é a Emcimadomurolândia. Até os professores e alunos daqui (os que ousaram) apontaram que suecos tem medo de qualquer tipo de conflito. Por exemplo: eu chego pra um sueco e digo "Monarquia é uma coisa idiota, principalmente se o rei não tem poder nenhum!", eles não respondem "Como assim? Você vem pro meu país e critica? Volta pro Lula, porque monarquia é ótimo!", nem "Concordo plenamente! Pra que ficar sustentando eles?". Se isso não acontece quando pergunto para uma pessoa em uma conversa particular, nem tenho esperanças de um dia debater isso na aula de ciências sociais.

    Mesmo assim há um tipo bizarro de contradição. Por alguma razão estranha, pessoas vão ao programa matinal de notícias (na TV) pra debater e dar opinião em coisas completamente inúteis. Tudo bem, essas pessoas normalmente são especialistas ou grandes defensores do assunto inútil a ser discutido. O que irrita mais é que você pode inventar uma questão qualquer que não existe e nem é problema, parar o pessoal na rua, apontar a câmera e todo mundo vai começar a frase com "Eu acho...".

    Também há a incrível facilidade de alfinetar e dar opiniões um pouco mais sólidas quando se trata da vida alheia, mas isso não é exclusividade nórdica.

    Resumindo, seu ponto é válido, Paulo.

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